“O sol há de brilhar mais uma vez / A luz há de chegar aos corações”. Acordei com essa canção ressoando na mente. Não sou um cara que decora letras de música com facilidade. Se eu fosse cantor ou ator teria imensa dificuldade pra recordar os versos e as falas diante da plateia. Conforme eu despertava embaixo do chuveiro cantarolava essa canção, sem falhar.
Fiquei impressionado com a cena. Não por lembrar da sequência dos versos, por óbvio. Mas por acordar com um verso tão solar, que clama, esperançoso, pelo brilhar do sol, radiante sobre nós. Enquanto escrevia essa crônica, o céu seguia cerrado, cinzento como chumbo, pesado e apático.
O que minha alma enxerga que eu não vi ainda? Acordei sacudido pela canção de Nelson Cavaquinho, compositor de músicas, em geral, carregadas de tristeza e desesperança. Mas fui acordar justamente com Juízo final, uma exceção do cancioneiro do poeta, cuja letra se impõe justamente pela radiante esperança: “o sol há de brilhar mais uma vez”.
Na pandemia de covid-19, o cataclismo que ainda deságua dentro da gente, havia restrições de onde ir e foram desaconselhados até mesmo os abraços. Afetos escassos, justamente na hora de tanto pranto, de tantas mortes, de velórios restritos e lutos interrompidos. E agora, o céu fechado, intransponível, nos afastando do sol, da luz, do calor. Em 2024, na era da Inteligência Artificial e, nós aqui, clamando pelo sol, o astro rei que regula a vida antes de a vida existir.
“O sol há de brilhar mais uma vez”. Insisto, por birra. Resistir é poético. Birra é teimosia, é um tipo de sina.
Profetas que dizem ter estreita relação com Deus, criador dos céus e da terra, atestam que os efeitos climáticos extremos são fruto da ira do Senhor. “Devido ao aumento da maldade, o amor de muitos esfriará, mas aquele que perseverar até o fim será salvo”, preconizou o apóstolo Mateus, exortando o povo. Em resumo: perseverar é resistir.
Por birra, insisto: “O sol há de brilhar mais uma vez”.
Na mitologia, Urano — o deus do céu — é esposo de Gaia, — a deusa da Terra. Na astrologia, Urano retorna pra ver como andam as coisas em ciclos de aproximadamente 84 anos. Fazendo as contas, recuando no tempo de 2024 até 1941 — marca histórica da maior cheia do Guaíba antes da tragédia deste ano — resulta em 83 anos. Pois é, parece fazer sentido que Urano venha acertar as contas com a gente por causa do que, nós, pobres mortais, estamos fazendo com Gaia (Terra), a esposa dele.
Nelson Cavaquinho, deixando de lado a carapuça soturna e triste, ensina que nessa “história do bem e do mal”, na batalha que ele profeticamente poetiza e chama de “juízo final”, “o amor será eterno novamente”, porque “do mal será queimada a semente”.
Que assim seja, profeta sambista. Enquanto isso, por birra, vou seguir cantando: “o sol há de brilhar mais uma vez”...