Não há amor maior nesse mundo. Nenhum livro de nenhum poeta, seja em sonetos ou rimas pobres, dá conta de expressar o amor que o canalha nutre pela farsa. Tampouco Shakespeare, dito o maior escritor que habitou nesse planeta. Digna exceção a Nelson Rodrigues que bem tratou do canalha em sua obra: “O canalha é uma figura tão rica, complexa, irisada, que exige mais do que uma, duas, ou trinta crônicas”.
Muitos atribuem ao canalha a fama de sedutor, não desses que flerta usando o corpo bem malhado, o peitoral delineado e depilado, cuja oferta é por quilo nos espaços de levantar peso. Contudo, o verdadeiro canalha sabe usar as palavras a seu favor, tendo ele um corpo escultural ou não. Há por aí relatos recheados de detalhes sórdidos de homens e mulheres que já caíram no encanto do verbo sedicioso do canalha.
Sim, o amor. O canalha nutre um amor imensurável pela farsa. Ninguém, nem mesmo a mais linda mulher do planeta tem poder para arrancar a farsa da vida do canalha. Ele carrega a farsa por aí, de casa para o trabalho, do trabalho para o boteco, do boteco de volta ao lar. Também carrega a farsa para dentro da casa da sogra e leva para passear no parque. Há quem diga que já viu os dois de mãos dadas e até mesmo em um fervoroso e demorado beijo apaixonado.
O laço de amor entre a farsa e o canalha atravessa gerações. Dizem, mas também não há provas, de que teria sido o canalha que orientou a serpente a seduzir Adão e Eva para que comessem do fruto proibido da Árvore da Vida. O diabo nega e diz que jamais faria aliança com o canalha. Todos os povos da face da Terra registram incontáveis histórias do canalha enfeitiçado pela farsa. Ou seria o canalha que enfeitiça a farsa?
O canalha é trapaceiro, alimenta o engano com mentiras, amanhece criando fábulas e anoitece imaginando o resultado do amor com a farsa que vai lhe proporcionar o prazer de ver a canalhice germinando por aí. O canalha não escolhe profissão. Pode ser palhaço, empresário, juiz, médico, jornalista, pedreiro ou até ilusionista. Aliás, o canalha usa o exercício da profissão (lícita ou ilícita) para construir um lar para a farsa.
A farsa pode ser um flerte fatal, um conto do bilhete premiado, um caixa 2 para lavar dinheiro e até uma oferta de emprego inacreditável, que no final das contas é uma corrente de trabalho escravo. Enfim, tem canalha solto por aí, a procura da farsa perfeita. E é tudo verdade, atestado em cartório, registrado em duas vias, com reconhecimento de firma e relato de testemunhas.