
Era 27 de março de 2020 e veio a notícia: Passo Fundo registrava o primeiro caso confirmado de covid-19, pouco mais de dois meses após a primeira morte pelo vírus então desconhecido em Wuhan, na China. Cinco anos depois, na quinta-feira (27), os acontecimentos que seguiram a partir desse dia ainda têm efeitos na cidade, que teve 80.250 casos e 847 mortes pela doença.
Mesmo depois que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim da emergência global, em 2023, reflexos permanecem na área da saúde de Passo Fundo. Ao longo da pandemia, a cidade passou por momentos de restrições extremas e de risco altíssimo para a disseminação da doença.
As memórias do período de crise estão gravadas na memória dos profissionais que trabalharam na linha de frente. À época, a médica do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP), Sabrina Frighetto Henrich, era coordenadora da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) de Doenças Infecciosas, setor que deixou de existir em 2023.
Inicialmente com 10 leitos, a unidade chegou a ter 40 vagas — que passaram boa parte do tempo lotadas e com demanda por mais lugares. Além disso, outros 90 leitos de enfermaria passaram a atender exclusivamente pacientes com covid-19.
— Eu e um colega dividíamos a rotina. Todos os dias discutíamos todos os pacientes, numa rotina de UTI mesmo, mas eram 40 leitos. Avaliávamos um por um. Eu passava o dia inteiro dentro do hospital, manhã, tarde e noite. Foi muito intenso — lembra.

Todos os dias eram pesados. Lembro que atendemos um colega nosso, muito importante para a gente, e que fizemos de tudo, mas acabamos perdendo ele. São coisas que a gente não esquece
SABRINA FRIGHETTO HENRICH
médica do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP)
Em 2020 o Hospital de Clínicas também recebeu 10 leitos extras de UTI, dentro do plano de contingência e enfrentamento ao coronavírus no Rio Grande do Sul. Em todo o Estado, o governo gaúcho disponibilizou mais de 200 leitos intensivos para tratar pacientes infectados pelo vírus em estado grave.
Quando a situação se agravou, era alta a demanda por profissionais da saúde. Foi de Passo Fundo a primeira turma de Medicina a adiantar a formatura para atender na emergência de saúde. Trinta e seis estudantes da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) colaram grau em abril, dois meses antes da data prevista.
O cenário começou a voltar ao normal em 2022, quando a vacinação passou a abranger públicos maiores e o efeito foi sentido de forma mais ampla, com a diminuição de casos.
De lá para cá, o HSVP voltou a ter seus 62 leitos adultos de UTI voltados a todo o tipo de doenças, sem mais o espaço exclusivo aos pacientes com covid-19. Os dois hospitais recebem menos pacientes com o vírus, o que não significa que não existam mortes pela doença — a última vítima, uma mulher de 82 anos, morreu em decorrência da covid-19 em novembro do ano passado.
As primeiras (de muitas) vacinas
Em 19 de janeiro de 2021, a técnica em enfermagem Nair Carmelina Teixeira Nunes, 56 anos, recebeu a primeira vacina contra a covid-19 aplicada em Passo Fundo. O ato simbólico foi no Cais Petrópolis, que passou a funcionar 24h como centro de atendimento de covid-19 durante a pandemia.
Começava ali uma série de campanhas de vacinação — primeiro no Cais, depois no CTG Lalau Miranda e, com o acesso mais amplo às doses, na Central de Vacinas e unidades básicas de saúde.
Até janeiro de 2025, última atualização do painel de vacinação do Estado, Passo Fundo tinha 183.547 pessoas imunizadas com pelo menos um dose da vacina. Apesar dos vacinados serem a maioria, em torno de 10% da população, cerca de 22 mil pessoas, não foram imunizadas.
Reflexos no dia a dia

Infectada por covid-19 pela primeira vez em 2020, a cantora e compositora Aline Love teve sintomas semelhantes aos de uma gripe. Apesar de não ter necessitado de internação, a artista perdeu 35% da capacidade pulmonar e convive com sequelas até hoje.
— Chegou ao ponto de eu precisar de ajuda pra trocar um lençol de elástico porque não tinha fôlego. Eu não conseguia subir as escadas de casa. Hoje em dia estou bem, mas não recuperei toda a capacidade — relata.
Um estudo conduzido no Brasil sobre a doença revelou que 18,9% das pessoas que tiveram covid-19 relataram sintomas persistentes, também chamadas condições pós-covid. O Epicovid 2.0 foi conduzido em 133 cidades brasileiras, inclusive Passo Fundo, com uma amostra de 33.250 entrevistas.
A condição afetou diretamente o trabalho de Aline, que depende do esforço pulmonar para executar técnicas vocais. Os espetáculos eruditos, por exemplo, não puderam mais ser realizados pela cantora.
Além de se apresentar em shows, a musicista também atua como professora de técnica vocal. Por isso, realiza exercícios respiratórios com frequência e conta com o acompanhamento de um fisioterapeuta pulmonar.
— As notas longas pesam fisicamente e mesmo músicas de rock são complexas de executar. Eu pensei que depois de curada isso ia passar, mas descobri em exames no ano passado que aquela parte do pulmão ainda tem comprometimento, mesmo que já tenham se passado cinco anos.