Mesmo que ainda não estejam suficientemente claras as motivações do governo Nicolás Maduro, a Venezuela deve ser dissuadida da pretensão disparatada de anexar à força a região de Essequibo, pertencente à vizinha Guiana. A tensão regional, fruto de uma disputa histórica, mas que estava adormecida há até poucas semanas, escalou mais um degrau com o plebiscito realizado no domingo, cujo resultado chancelou as pretensões do regime venezuelano.
A diplomacia brasileira e o próprio presidente Lula devem ter papel central na busca por frear o ímpeto expansionista de Maduro
A diplomacia brasileira e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva devem ter papel central na busca por frear o ímpeto expansionista de Maduro. A condenação à ameaça deve ser firme e clara. No fim de semana, Lula disse que a América do Sul não precisa de “confusão”. E pediu que o bom senso prevaleça do lado da Venezuela e da Guiana. Faltou explicar o que considera bom senso por parte de um país sob intimidação de uma nação lindeira com um poderio militar muito superior ao seu.
Ao longo do ano, por diversas oportunidades, Lula tentou se cacifar como interlocutor que poderia ajudar a resolver hostilidades em regiões distantes do Brasil, como as guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza. O risco, neste momento, é na vizinhança. A responsabilidade brasileira, agora, existe de fato. Não apenas por ser o maior país da América do Sul, mas também pelo vínculo do governo petista com o regime autocrático venezuelano. É uma relação marcada por exagerada condescendência. Seria um desastre diplomático não evitar o início de um conflito armado na região.
Ao que parece, a iniciativa descabida e extemporânea de Caracas tem relação com o processo eleitoral do próximo ano. Em um acordo mediado por vários países, assinado no final de outubro, Maduro se comprometeu com um pleito limpo no próximo ano. Após anos de arbítrio e severa crise econômica, é razoável imaginar que, em uma eleição justa e sem manobras, o atual presidente teria sérias dificuldades para se manter no poder. É tática surrada de governos em agonia inventar inimigos externos para provocar mobilização interna em torno de si. Mas deve-se lembrar também que, na costa da região em disputa, foram descobertas vultosas reservas de petróleo nos últimos anos.
A controvérsia data do século 19, quando as fronteiras atuais foram definidas por uma arbitragem internacional. À época, a Guiana era território da Grã-Bretanha. Em 1966, é assinado o Acordo de Genebra, no qual os britânicos reconhecem a existência de uma disputa pelo território. Mas no mesmo ano, a Guiana se torna independente e são iniciadas negociações bilaterais, que nunca avançaram. Em 1986, as duas partes recorrem à ONU para uma mediação e, em 2020, o Tribunal Internacional de Justiça avaliou ter legitimidade para definir a disputa, o que não é reconhecido pela Venezuela. Na última sexta-feira, em meio ao acirramento de ânimos, o mesmo tribunal, a mais alta corte da ONU, se posicionou afirmando que a Venezuela não poderia incorporar Essequibo.
Mesmo que toda a tensão provocada pelo regime de Maduro não passe de encenação voltada a alimentar o sentimento de nacionalismo na população em torno de uma causa defendida até por membros da oposição, está criada uma situação que, ao menor passo em falso, pode sair do controle. A responsabilidade do Brasil, como líder regional, é atuar para evitar qualquer risco de uso da força.