É prerrogativa do presidente da República fazer a indicação dos nomes para preenchimentos de vagas abertas no Supremo Tribunal Federal (STF). A preferência de Luiz Inácio Lula da Silva pelo advogado Cristiano Zanin não colide com a letra fria da Constituição. Diz a Carta apenas que a escolha deve ser entre “cidadãos com mais de 35 e menos de 70 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”. Não há maior detalhamento sobre o que seria “notável saber jurídico”. Após a definição presidencial, ainda é necessário que o selecionado passe por uma sabatina e uma votação no Senado.
A indicação de Cristiano Zanin para o STF fere o princípio da impessoalidade
A conformidade legal, porém, não torna a indicação de Zanin isenta de reparos quanto à sua adequação. Em primeiríssimo lugar, por tratar-se do advogado pessoal de Lula. É cristalino, portanto, que fere o princípio da impessoalidade, uma das mais importantes premissas que norteiam a administração pública.
O Brasil passou recentemente por um período de seguidas confusões entre o público e o privado. Havia a expectativa de que o presidente Lula fosse mais atento a preceitos republicanos em seus atos. Neste episódio, ao menos, o resultado decepciona. Frustra ainda quem esperava maior diversidade no STF, com a indicação de uma pessoa negra ou de uma mulher.
Ao optar por Zanin, o presidente não deixa de repetir o que fez o antecessor, Jair Bolsonaro, na indicação de André Mendonça – não apenas por ser “terrivelmente evangélico”, passando também por cima do princípio da laicidade do Estado. Mendonça, mesmo quando foi ministro da Justiça, atuou em alguns casos como se fosse o advogado-geral da União (AGU), posto que também ocupou, com ações que, da mesma forma, várias vezes se confundiam com a defesa pessoal de Bolsonaro.
Ao fim, portanto, observa-se que Lula e Bolsonaro privilegiaram o critério da fidelidade pessoal nessas indicações. É um critério ruim para a credibilidade do STF. Pior se, a partir de agora, transformar-se em prática corriqueira. Dá argumentos aos detratores do Supremo, que enxergam na Corte um tribunal cada vez mais com viés político do que leal guardião da Constituição.
No caso de Lula, sabe-se que o presidente não digeriu as atuações de alguns ministros indicados em seus primeiros mandatos em casos como o julgamento do Mensalão e da Lava-Jato. Pode ajudar a dar racionalidade, mas segue sem justificar. Independência e subserviência apenas à Carta Magna, aliás, é o que a sociedade espera dos ministros.
Não resta dúvida de que Cristiano Zanin mostrou grande competência como advogado na defesa de Lula e no caso que decidiu pela parcialidade do então juiz federal Sergio Moro, hoje senador. Não se descarta que, no futuro, venha a ser avaliado como um bom ministro do STF. Mas o seu êxito contra a Lava-Jato ainda está distante de comprovar “notável saber jurídico”. Zanin não tem doutorado ou mestrado e tampouco é reconhecido como jurista. Quase nada é conhecido, aliás, acerca de suas posições sobre importantes questões que dividem a população e sobre as quais possivelmente terá de se manifestar como magistrado.
Resta aguardar que os senadores, mais do que uma banal formalidade, como se tornou tradição, conduzam uma sabatina esclarecedora sobre as concepções do indicado por Lula. A tendência, de qualquer forma, é de aprovação. Nesse caso, caberá depois apenas a Zanin demonstrar que os temores de alinhamento automático eram infundados.