Costuma-se repetir que a inflação é o imposto mais perverso. A afirmação está baseada no fato de que a alta de preços prejudica mais a população de baixa renda. São pessoas sem acesso a instrumentos financeiros para se proteger das remarcações e, em regra, têm ganhos que mal cobrem os custos de vida. A persistência inflacionária, por outro lado, é a grande barreira a impedir a redução da taxa Selic, hoje no patamar de 13,75% ao ano no país, nível sufocante para a atividade econômica.
A acomodação dos preços pode ser notada ainda mais nos alimentos, uma boa notícia para as famílias dos estratos de menor renda
Mesmo que o dragão ainda assuste, recentes dados trazem algum alívio e dão alento às esperanças de que o processo de desinflação se acelere. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na quarta-feira o IPCA-15, prévia do índice oficial do país. O resultado, uma alta de 0,57% na passagem de março para abril, ficou abaixo das estimativas do mercado. Em 12 meses, desacelerou-se para 4,16%. É a primeira vez, desde fevereiro de 2021, que, nesse recorte temporal, acaba abaixo de 5%.
A acomodação dos preços pode ser notada ainda mais nos alimentos. Trata-se de uma boa notícia para as famílias dos estratos de menor renda, que despendem parcela significativa de seus recursos para comprar comida. O grupo alimentação e bebidas no IPCA-15 variou apenas 0,04%. Em 12 meses, o indicador ficou em 6,35%. Foi o segundo mês consecutivo na casa de um dígito. Em agosto do ano passado, nesse mesmo intervalo acumulado equivalente a um ano, estava em 14,71%, mais do que o dobro. Deve-se lembrar, no entanto, que isso não significa queda generalizada nos valores dos alimentos, mas um aumento mais suave, embora alguns itens tenham registrado recuo, como carne bovina e óleo de soja.
A Fundação Getulio Vargas também divulgou ontem o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M). É um indicador voltado a monitorar o comportamento no atacado. Foi observada uma queda de 0,95% em abril, enquanto o consenso do mercado era de -0,70%. Note-se que, em 12 meses, o IGP-M cai 2,17%, a primeira deflação nesse recorte desde 2018. Retrações significativas nas cotações de commodities importantes como soja, milho e minério de ferro “abrem espaço para descompressão dos custos de importantes segmentos varejistas, favorecendo a chegada desses efeitos nos preços ao consumidor”, ressaltou o economista André Braz, responsável pelo levantamento. Como se sabe, a tendência é de que o comportamento no atacado, com alguma defasagem, também se reflita no varejo.
Mesmo economistas renomados e instituições financeiras reconhecidas têm dificuldade de projetar cenários à frente com precisão razoável devido à grande variabilidade dos fatores que influenciam oferta, demanda e outros condicionantes da inflação, como expectativas e câmbio. O dólar, felizmente, mostra trajetória de queda. Não basta, portanto, apenas torcer por novas surpresas positivas no campo da inflação. As estimativas do mercado, contidas no boletim Focus, do Banco Central (BC), têm piorado nas últimas semanas e, agora, apontam para um IPCA de 6,04% no fim de 2023.
As sinalizações do mundo político têm um peso considerável. Assim, no curto prazo, aguarda-se que o Congresso faça uma análise responsável da proposta do novo marco fiscal e ajuste o necessário para o país passar a ter maiores garantias de uma âncora firme para as contas públicas. Como já dito e repetido, isso é basilar para que o BC encontre condições de iniciar um ciclo de corte da Selic. Continuar com o juro no patamar atual por muito mais tempo pode fazer um estrago ainda maior na atividade econômica, no emprego e na situação financeiras de famílias e empresas.