As mais importantes ideologias políticas — como liberalismo, socialismo, fascismo e social-democracia — nasceram na Europa e se espalharam pelo mundo. Ao difundirem-se e granjearem adeptos em outras realidades, as ideologias se adaptam e se moldam. Mesmo naquele continente, pode-se falar em liberalismo francês e inglês, por exemplo. Entretanto, essas adaptações locais, ou mesmo a evolução das ideias ao longo do tempo, não podem ferir determinados princípios básicos que lhes dão sentido e significado, com o risco de esvaziarem-se. Assim, “socialismo privatista” ou “fascismo democrático” são aberrações conceituais ou “contradições em termos”. Há um limite para a viagem do conceito.
Essa reflexão introdutória ajuda a pensar sobre o aumento do IPTU em Porto Alegre. Seja pela mudança de alíquota, seja pela atualização do valor venal dos imóveis, o contribuinte pagará mais imposto. Dizer que essa última não é aumento soa como absurdo, pois o objetivo da revisão não é majorar o de uns para diminuir o de outros, num jogo de soma zero; visa-se, simplesmente, arrecadar mais. A intenção é confessa pelo proponente. A justiça social é mera moldura. O IPTU já cresce anualmente em porcentagem que tende a acompanhar a inflação, portanto já embute a atualização decorrente do processo inflacionário. Aumentar também a base de cálculo não deixa de ser um duplo aumento.
Governantes proporem aumento de impostos não é novidade. Quem não gostaria de mais dinheiro para gastar, principalmente financiado pelos outros — e de forma compulsória? Menos do que discutir os meandros do IPTU, o que mais surpreende é a proposta ter partido de quem, desde a campanha para o cargo, fez uso de um discurso liberal radical, pró-mercado e autointitulado moderno. Dizer uma coisa e depois fazer outra, há pouco, se chamou de “estelionato eleitoral” e até embasou argumentos para afastar eleitos do cargo. Já no Império, se dizia que nada mais conservador do que um liberal no poder. Nada mudou. Na degradação ética em que vivemos, sempre há novidades e, agora, entre nossas façanhas para modelo surge outra: o liberal a favor de mais imposto. Deve ser o liberalismo pampiano, cuja incoerência e inconsistência se revelam no dia a dia, tanto na prefeitura como em outras esferas administrativas.