Inicialmente, deixo claro que acredito que possam haver negócios e serviços dirigidos a segmentos particulares de consumidores. É uma iniciativa legítima e, havendo público, justifica-se economicamente. Entretanto, cabe certa reflexão sobre as implicações que podem depreender-se de iniciativas como as de restrição à presença de pessoas por características pessoais – particularmente no caso, a faixa etária.
Se não conseguimos conviver com as crianças e entender suas necessidades, que sociedade somos?
O rótulo ChildFree – livre de crianças –, originalmente, deriva de uma resistência de segmentos das camadas médias de países industrializados à ideia de que homens e (especialmente) mulheres são obrigados a ter filhos e ou adaptar-se a uma lógica familiarista de sociedade. Este posicionamento crítico inicial acaba sendo incorporado pelo liberalismo e tem se estendido para uma defesa da restrição à presença de crianças em ambientes públicos e, particularmente, aos de consumo mais elitizado.
Reforçar esse tipo de atitude, em prol da liberdade de escolha (de alguns e algumas) implica chancelar uma mentalidade individualista e potencialmente excludente de vários aspectos da vida comum e coletiva em sociedade. Para além do conforto e satisfação pessoais, a vida em sociedade supõe o convívio com a diferença, com o prazer, o conforto e as necessidades do "outro". Por mais legítimo que seja o desejo de não se deparar com os "outros", é legítimo que a sociedade avalize esse desejo impedindo a presença de outras pessoas? Durante muito tempo, particularmente nas sociedades coloniais naturalizamos a exclusão de pessoas consideradas diferentes em alguns espaços – pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência ou que não seguem a heteronormatividade também sofrem com discurso de restrição ao seu direito de coexistir. Validar propostas ChildFree não seria irmos pelo mesmo caminho?
E por que essa pauta não tem esse apelo em outros contextos? Tem a ver apenas com ditames de mercado ou também com uma maior conscientização das demandas, necessidades e cidadania das crianças? Atitudes excludentes como essa deslocam a intolerância e os conflitos de convivência para as crianças e não para as condições e possibilidades de quem deve responsabilizar-se por ela e seu bem-estar. Ela é objetificada e tratada como uma moléstia (necessária talvez para o sustento futuro do sistema previdenciário dos adultos de hoje).
É paradoxal que a mesma sociedade que romantiza certo ideal de infância também cultive valores que a excluem – ou buscam limitar seu desenvolvimento social e cidadão. Se não conseguimos conviver com as crianças e entender suas necessidades, que sociedade somos? Segregar pessoas apenas a locais "adequados" para elas implicará em que tipo de relacionamento social hoje e amanhã?
Os espaços públicos, tradicionalmente, têm sido pensados por e para adultos. Somos uma sociedade que escuta pouco as crianças. Evidentemente não seria possível atender a todos seus desejos e ocupação social, mas é possível colocá-las como participantes de uma construção, de escolhas e de espaços que revitalizem fazeres e contatos, incluindo aí a renúncia de pais, mães e cuidadores de parte de seus desejos, em nome de relações mais respeitosas e integradas.