Observamos um fenômeno bastante curioso no Brasil atual, que combina quatro elementos. Primeiro, temos uma crise política profunda, que corrói não apenas o funcionamento do Estado, mas também a confiança das pessoas em uma reversão breve do quadro. A crise política parece dar vida ao ditado "o que não tem remédio, remediado está”.
Junto à política, vem o segundo elemento, que é a crise econômica. Depois de aproximadamente dois anos de recessão, tivemos um resultado positivo no primeiro trimestre deste ano. "Acabou a recessão", eles disseram. Mas, ainda temos 14 milhões de desempregados, sinalização de contenção na queda da taxa de juros e baixo investimento.
O terceiro elemento é protagonizado pela população: o sentimento de preocupação tem recebido a companhia do desânimo. Se mal conseguimos estabelecer um governo estável, quando que aquele buraco na rua, na esquina de casa, será fechado? E aquela consulta que só deve acontecer em seis meses, mas que seria necessária em seis dias? E essas reformas todas?
Para finalizar, o quarto e mais intrigante elemento é um mercado relativamente tranquilo e confiante, justamente, nestas reformas consideradas importantes para a retomada do crescimento. Enquanto os bastidores dos três poderes ardem em negociações e julgamentos, grandes reformas estão em discussão no palco principal. E o mercado afirma, sereno, que o que o governo tem de melhor é sua agenda econômica.
Então, de um lado, temos uma população tristemente desanimada e frustrada com um Estado que não a atende devidamente e que sofre de uma crise institucional de nível cinematográfico. De outro, o mercado sinaliza confiança na recuperação econômica a partir de reformas estruturais profundas, que afetam, principalmente, aquela população descrente e que são conduzidas por um governo desestruturado.
Para que isso faça um mínimo de sentido, é preciso crer em duas coisas. Primeiro, que as reformas estão plenamente descoladas de todo o imbróglio político, passando ao largo de negociações e baseadas apenas em aspectos estritamente técnicos. Segundo, é preciso acreditar que, se o mercado vai bem, todas as pessoas acabarão ficando bem. Diante dessas hipóteses, vou de Paulinho da Viola "... quando penso no futuro, não esqueço meu passado".