* Advogado, mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro
Em 2015, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no artigo "Chegou a hora", publicado no El País, analisa o quadro político brasileiro e sustenta que não há espaço para que os militares sejam os agentes das mudanças necessárias ao país. Ao mesmo tempo, transfere essa responsabilidade ao sistema da Justiça. "Que não se ponham obstáculos insuperáveis ao juiz, aos procuradores, aos delegados e à mídia", defende. Há de se perguntar se a assertiva foi exposta de forma pontual ou se faz parte de uma orientação programática presente na atual cena político-jurídica brasileira.
Fernando Henrique poderia estar se referindo ao fenômeno da judicialização da política, no qual os agentes políticos transferem o centro de suas decisões ao Judiciário, oferecendo a esse poder um maior protagonismo. Embora tenham se passado dois anos da publicação do artigo, o tema permanece atual. A cada dia, torna-se mais evidente a tensão social oriunda deste protagonismo na conjuntura democrática.
Motivos como o descrédito em relação à política tradicional e a crise de representação dos poderes levam a esta dificuldade de tratar temas polêmicos, razão pela qual há o deslocamento para o Judiciário. No entanto, tais medidas deveriam ser excepcionais, devendo o Judiciário evitar interferências indevidas que afetem a separação dos poderes.
Mas o excepcional não deve ser motivado apenas por conveniência ou oportunidade. Em nome do combate à corrupção, já vimos direitos serem subvertidos e princípios basilares do Direito, como a presunção da inocência e o contraditório, rebaixados à categoria de coadjuvantes. O magistrado nem sempre deve basear seus votos e posicionamentos a partir da vontade da maioria, tendo inclusive que julgar de forma contramajoritária sempre que necessário.
A ocupação do Judiciário sobre os espaços do Legislativo e do Executivo merece reflexões. Quando um dos poderes ganha espaço demais e passa a interferir de forma exagerada nas atividades do outro, é a democracia que fica fragilizada. E o poder em excesso, sabemos, pode levar a abusos.