Ele precisava de um refrigerador. O orçamento familiar era apertado. Na loja, o vendedor destacou as qualidades do produto, demonstrando quão fabulosa era aquela porta que despeja água gelada por uma torneirinha. Isso sem falar no interior funcional e personalizável, onde é possível acomodar uma gigante melancia, se você ajustar as prateleiras. O preço era R$ 2 mil à vista. Se parcelasse, levava um carnê de 24 parcelas de R$ 105,74. O vendedor, de forma transparente, esclareceu que eram "só 2% ao mês de juros".
Sentou-se em um sofá que estava exposto na loja para pensar. A prestação cabia no bolso, mas não queria ficar dois anos pagando, pois em breve teria de comprar um fogão novo, que também precisaria ser parcelado, com valores similares. Pensou em fazer em 12 vezes. Na calculadora do celular, multiplicou aquele valor original por dois: R$ 211,48 – afinal, se era a metade das prestações, o valor deveria dobrar, pensou ele. Mas, seu orçamento chegava apenas em R$ 200 mensais. O fogão teria de esperar dois anos, mesmo. Fechou negócio e saiu da loja com o carnê de 24 páginas, a alegria em adquirir o novo refrigerador e a esperança de que o fogão velho durasse mais dois anos.
Acontece, porém, que a conta correta da prestação não é a simplória multiplicação que ele fez. São juros compostos. A prestação correta seria
R$ 189,11. Um valor compatível com seu orçamento, e que manteria viva a expectativa de adquirir o fogão em apenas 12 meses. Um erro de compreensão matemática que vai lhe custar um ano extra de espera desnecessária.
Essa história fictícia ilustra uma realidade de 70,2% dos estudantes brasileiros na faixa de 15 anos de idade, que realizaram a prova do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) em 2015, promovido pela OCDE. Eles estão abaixo do que se considera o nível minimamente adequado de proficiência em matemática. Isso significa falta de preparo para exercer plenamente a cidadania.
Quando alguém toma uma decisão errada porque não consegue processar as informações para fazer melhor juízo, isso é a materialização de uma barreira para sua cidadania e para o exercício pleno do seu poder de escolha. E, neste caso, é possível que alguém faça isso por ele, pense por ele, decida por ele. Não se trata apenas de um fogão ou um refrigerador, mas de um exercício de liberdade plena.