Muitos analistas têm afirmado que a eleição de Trump pouco influenciará na economia brasileira. Só se pode entender tal interpretação em termos relativos, ou seja, há países (México, Irã e os de maioria muçulmana, Zona do Euro) em que o cenário sugere maiores turbulências. Mas o fato de não estar no epicentro da política externa americana não significa isenção às suas consequências, sem contar a ingenuidade de subestimar a importância dos EUA na economia e na geopolítica internacionais.
Um exemplo: a construção do muro na fronteira mexicana, tema sério demais para ser ignorado pela diplomacia brasileira, como ocorre até agora, poderá resultar em tarifa sobre os produtos mexicanos importados como "contrapartida" para custeá-lo. Pouco preocupará os brasileiros o fato de os consumidores americanos pagarem mais caro por tais bens e as empresas multinacionais "maquiladoras" dos dois países arcarem com parte do custo. Todavia, haverá impacto no balanço de pagamentos e na inflação americana, além de esta ser afetada pela pressão dos gastos prometidos em outras áreas. Somadas, tais medidas acarretarão a apreciação do dólar e o aumento de juros nos EUA.
O que sobra para nós? Elevação de taxa de juros também aqui será a primeira consequência, abortando a aposta em sua queda como estímulo ao crescimento. Por outro lado, a apreciação do dólar também traz como cenário provável segurá-la pelos juros, pois tem efeito sobre a inflação, sem contar que o real desvalorizado causa ojeriza na ortodoxia local, sempre sensível às demandas do capital financeiro. A receita preferida dos últimos 20 anos é: real valorizado e juros altos, doa a quem doer, que o digam os exportadores.
Enquanto isso, a indústria recuou 17% no triênio e, como a recessão continua, em breve chegará a 20%, aumentando ainda mais os 12 milhões de desempregados. A regra geral mais básica é que, quando o cenário externo se complica, reduz-se a margem para políticas econômica internas pró-crescimento. Assim, pode não só postergar a recuperação da economia brasileira, como torná-la ainda mais lenta e errática. Em outras palavras, as mudanças que vêm do Norte não são desprezíveis, pois nos pegam em posição frágil, com depressão já tão danosa como a da década de 1930.