A gravidade da crise econômica e política leva à frequente pergunta quanto à comparação com anteriores, especialmente as que desaguaram na derrubada de Vargas em 1945 e em seu suicídio em 1954.
Das três, a de 1945 tem a peculiaridade de não ter havido uma polarização demarcada ideologicamente: o desgaste do Estado Novo, impulsionado pelo fim da guerra, envolveu ampla coalizão oposicionista, desde liberais críticos do intervencionismo econômico e das leis do trabalho até socialistas, comunistas e integralistas (extrema direita) perseguidos na ditadura.
Já a crise de 1954 lembra a atual pela polaridade ideológica e pelo radicalismo. No contexto da Guerra Fria, a criação da Petrobras, o aumento real do salário mínimo e a extensão dos direitos trabalhistas eram explorados pela oposição udenista como o caminho para uma república sindicalista, enquanto os trabalhistas acusavam o pró-americanismo da UDN de querer entregar as riquezas do país ao capital estrangeiro. "Entreguistas" de direita versus "comunistas" eram os termos populares que hoje corresponderiam a "coxinhas" e "mortadela".
Mas há uma diferença entre 1954 e a crise que envolve Lula e Temer: as denúncias – embora ainda não julgadas – envolvendo crime financeiro, nunca chegaram a atingir a pessoa do presidente Vargas. A oposição denunciava subornos e "vendas de influência" em esferas inferiores do governo, cujos montantes comparados a hoje seriam roubo de galinha. O estopim não envolveu dinheiro, mas o atentado da Rua Toneleros, que visava matar Lacerda, o maior líder da oposição. Hoje, predomina a interpretação de que partiu da guarda pessoal de Vargas, mas sem conhecimento deste. Depois de governar o país por 20 anos, morreu com o mesmo patrimônio herdado: na verdade, perdeu dinheiro. Diz o provérbio gauchesco que "o boi engorda com o olho do dono". Ao morar no Rio de Janeiro, terceirizava a administração de seus bens em São Borja. A prioridade era a vida pública e isso basta para se ver quão diferentes eram aqueles tempos do de hoje. No caso de Temer, a situação se mostra mais complicada, pois as denúncias ocorrem em pleno mandato e comprometem nomes importantes do ministério – além da contradição de ter assumido como desfecho de manifestações de rua que exigiam moralização, o que fragiliza mais sua já escassa legitimidade.