Há alguns anos, ainda durante minha graduação em Economia, participei de uma saída de campo para pesquisar pobreza rural no interior de um município gaúcho. No final do segundo dia de andanças, eu e outro pesquisador nos aproximamos de uma casa.
O sol já começava a se pôr, dificultando a caminhada pela estrada de chão batido. Era a última entrevista a ser realizada naquele dia.
Nos aproximamos da casa de madeira, muito simples, espremida em meio a altas capoeiras, com um cinamomo mais ao fundo. Identificamos o dono sentado em uma cadeira de palha na minúscula varanda, em frente. Pelo silêncio da casa, ele estava só. E a falta de energia elétrica permitia que reinasse uma sufocante escuridão.
Nos apresentamos e falamos do nosso interesse em conversar. O homem emitiu algumas poucas palavras, de difícil compreensão. Por algum motivo que não recordo, não foi possível entrevistá-lo. Agradecemos e seguimos nosso caminho. Não consegui enxergar direito seu rosto. Mesmo assim, a figura do vulto daquele senhor, sentado só, na varanda absorta pelo breu, nunca mais saiu da minha mente.
Nem foi necessária a entrevista. Aquele breve contato foi uma dura lição sobre duas características cruéis da pobreza: invisibilidade e isolamento. Quanto mais pobre a pessoa, menos envolvida com a dinâmica da sociedade ela se torna. E isso faz com que ela não seja parte dos acontecimentos da vida em comunidade. A dureza da imagem daquele senhor me fez sentir o sabor amargo da combinação destas duas características no meio rural.
Ao contrário do senso comum, ser pobre no meio rural é ainda mais severo do que na cidade. O fato de estar próximo à terra não habilita automaticamente as pessoas ao plantio para comer. E mesmo que assim fosse, todo o arranjo de proteção social das cidades oferece outro nível de auxílio – seja suporte comunitário ou as próprias políticas públicas. No rural, a história é mais complexa.
Segundo a Organização para Agricultura e Alimentação da ONU (FAO), em 2014 a pobreza atingia 46,2% da população rural da América Latina e Caribe. A agricultura familiar, que produz a maior parte dos alimentos para consumo interno e gera cerca de 60 milhões de empregos na região, ainda padece com níveis inaceitáveis de pobreza e fome. E o cenário, no curto prazo, em função da crise, não é animador.