A polêmica da vez, no conturbado cenário das alternativas para contornar a crise econômica, foi a fala do presidente da Confederação Nacional da Indústria, Robson Braga de Andrade. Ao mencionar jornada de trabalho de 80 horas, ele materializou em número, pela primeira vez, uma ideia de reforma trabalhista – ainda que, segundo a CNI, não tenha sido esta a intenção de Andrade. Antes, tínhamos a evasiva "flexibilização para negociações de contratos".
Mesmo sem intenção de sugerir tal número, ficou claro o sinal da vontade de flexibilização na legislação. Seria ingenuidade pensar diferente, pois não existe nada de economicamente condenável nisso. A classe industrial se posiciona como julga adequado. De outro lado, também se posicionam as classes trabalhistas, via sindicatos, como consideram melhor. E ainda temos as classes políticas e do setor público.
Nesse contexto, os debates sobre a condução da economia brasileira escancaram as diferentes perspectivas que cada setor tem sobre os ajustes. A reforma trabalhista coloca de um lado os trabalhadores, preocupados com suas jornadas, salários, férias etc.; de outro, os empregadores, que clamam ter seus custos de contratação reduzidos para aumentar a competitividade. Também no caso da Previdência, empregados e empregadores estão no imbróglio, assim como o Estado.
O poder decisório que cada um tem depende de seu posicionamento na sociedade e sua consequente força. Rodolfo Hoffmann, professor da USP, recentemente apontou em reportagem da Folha de S. Paulo, que a redução na renda dos brasileiros está concentrada massivamente nas camadas mais pobres. Os 10% mais ricos tiveram sua renda elevada no último ano. Considerando a desigualdade brutal na distribuição de renda no Brasil, não é absurdo supor que boa parte dos tomadores de decisão e investidores devem estar posicionados entre esses 10%.
Por enquanto, as consequências da crise (e do ajuste) recaem de modo mais cruel sobre os mais pobres – e não é uma opinião, mas um fato estatístico. Quando se fala em medidas "duras" para recuperar a economia, temos uma questão de semântica. São "duras" no sentido de implementação ou são "duras" sobre os ombros de quem recaem? Sendo a segunda opção, é preciso dividir o peso entre todos os brasileiros. Quem faz esta equalização é justamente a disputa entre os diferentes setores – e os primeiros movimentos não me parecem muito animadores.