A chuva brutal que nos atormentou com granizo devastador e vento furioso não é obra da maldade das nuvens. O estrondo dos raios não expressava a cólera das águas que destruíram colheitas, alagaram cidades e criaram sensação de pânico. A natureza não tem culpa pela devastação.
O grande culpado somos nós, com "nossas" mudanças climáticas. Ao longo de milênios, o clima do planeta modificou-se em lenta evolução natural. Nos últimos 80 anos, porém, nós - seres humanos - multiplicamos e aceleramos tudo. Plantamos catástrofes infectando ar, rios e mares, derrubando o verde e degradando o solo. Neste ensaio de colapso e caos descobrimos que temperatura e clima não são dádiva ou fúria divina, mas também são obra nossa.
Desde o ano em que nasci, 1934, a Terra foi mais devastada do que na soma de todos os insondáveis milênios de existência do planeta. O que esperar, então, a não ser invernos de seca e calor (como neste 2015) e furiosa primavera de chuvas?
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O temporal da noite de quarta-feira fez este jornal (num gesto incomum) resumir a manchete de capa do dia seguinte numa só palavra - ASSUSTADOR -, com a foto fúnebre dos raios sobre a cidade. A síntese perfeita deixou um alerta: mais assustador do que trovão e raio é nosso desleixo e inércia face à degradação com que a cobiça cega planta as sementes da catástrofe.
A água não tem má índole nem é criminosa! Síntese da vida, a água não pode ser esbulhada de seus espaços próprios. Em Rio Pardo e todo Interior, ou, na área metropolitana, no bairro Sarandi, em Eldorado e Canoas, inundaram-se os terrenos baixos, modelos do caos urbano. A demagogia eleitoreira permite "vilas" em área imprópria. A cobiça imobiliária impermeabiliza o solo e constrói edifícios em áreas de nascentes, sangas e banhados.
Canoas chama-se assim porque, no início do século 20, a área urbana de hoje era banhado navegável a remo do rio à Base Aérea atual. Na Capital, a vazão do Guaíba diminuiu com o aterro que ocupou o rio a partir da Praia de Belas.
Roubamos espaços que a natureza deu à agua em milênios!
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Três anos atrás, quando da conferência da ONU sobre sustentabilidade, no Rio, sintetizei a conclusão de 128 cientistas internacionais reunidos pela UFRJ e aqui escrevi a 24 de junho de 2012:
"As mudanças climáticas devidas ao aquecimento global não atingirão apenas os ursos do Polo Norte e os pinguins da Antártida. As secas serão cada vez mais severas na Amazônia e nordeste do Brasil. Com menos floresta, desaparece o equilíbrio e as chuvas e enchentes se multiplicarão no no Sul, da Mata Atlântica ao Pampa".
Em 40 meses, a advertência se concretizou. A falsa "riqueza" das queimadas de cana e da urbanização voraz de São Paulo estende a seca ao Amazonas, onde a floresta vira pastagem. O calor retido na atmosfera aprisiona, no Sul, as nuvens vindas da Antártida que se deleitam conosco...
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Na orla do Guaíba, lixo e entulho flutuam ao embalo do vento. É difícil distingui-los. Como nos esgotos, a pestilência é uniforme. O rio imitará a cloaca corrupta no conluio público-privado da vida real, que mistura tudo?
Domingo passado, o esgoto da corrupção fez meu inconsciente tratar o juiz federal Rocha Matos, condenado pela milionária venda de sentenças em São Paulo, como se fosse o juiz Nicolau Santos Neto, que em 1999 (com o dólar a R$ 1,70) roubou R$ 169 milhões da construção do Tribunal do Trabalho paulista. Ambos são o mesmo modelo apodrecido. No entanto, leitores atentos, como o advogado Leo Iolovitch e Ézio Ribeiro da Silva, funcionário judicial, notaram a diferença e me avisaram.
Com olfato apurado, diferenciaram no esgoto o cheiro de ovo e carne podres.
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