Por Marcelo Rech, jornalista e membro do Conselho Editorial da RBS
Em tempos nos quais vocações muitas vezes parecem secundárias, gosto de pensar o jornalismo como a medicina. E não apenas porque as duas profissões, quando exercidas a pleno, exigem desprendimento pelo fato de que, muito provavelmente, jornalistas e médicos serão escalados para plantões de fins de semana, feriados e madrugadas ou convocados a qualquer hora para atuar em emergências.
Medicina e jornalismo lidam com a matéria-prima mais sensível – seres humanos em frequentes situações de alta voltagem emocional – e têm objetivos com parentesco em comum. A boa medicina busca prevenir doenças e curar as já instaladas. O bom jornalismo procura inocular vacinas contra a epidemia de desinformação ou produzir antídotos contra o vírus que já contaminou organismos sociais. Para tanto, ambos recorrem – ou recomenda-se recorrer – às melhores e mais abalizadas fontes disponíveis.
Dilemas éticos são outro aspecto que aproxima as duas profissões. Em ambas, nem todas as decisões são cartesianas ou cristalinas. Na medicina, por vezes trata-se da escolha sobre quem atender primeiro ou, em situações desesperadoras, a tentar saídas igualmente desesperadas. No jornalismo, trata-se de escolher ao que e como se dará visibilidade e a reavaliar enfoques adotados - há critérios éticos e técnicos, mas nem sempre eles são suficientes para cobrir todas as circunstâncias. Não raro, para angústia de seus profissionais, recorre-se a uma alternativa apenas menos pior que a omissão.
Médicos e jornalistas nem sempre acertam, até porque com frequência se veem diante do imponderável, de dados rarefeitos ou do simples desconhecido.
Jornalistas e médicos da Austrália, do Azerbaijão, da Suécia ou do Brasil têm formação e cultura distintas, mas seus princípios e objetivos sociais, cada um em suas especificidades, são os mesmos em todo o mundo. Na medicina e no jornalismo, há centros de excelência e outros nem tanto, bem como profissionais mais ou menos capacitados. Mas há uma linha divisória que os distancia decisivamente dos embusteiros.
Médicos e jornalistas nem sempre acertam, até porque com frequência se veem diante do imponderável, de dados rarefeitos ou do simples desconhecido. Assim como médicos, contudo, jornalistas, diferentemente de quem espalha e se beneficia de desinformações, não vivem de erros mas de acertos. Essa lógica simples ajuda a compreender as peculiaridades das profissões – e por que o jornalismo é tão atacado hoje ao se interpor contra os charlatães das fake news.