Um homem queimou várias páginas de uma cópia do Alcorão do lado de fora da maior mesquita de Estocolmo, capital da Suécia, em um protesto autorizado pela polícia sueca na quarta-feira (28), primeiro dia do feriado muçulmano de Aid al-Adha.
O evento ocorreu sem incidentes e sob vigilância policial. Um grupo de mais de 100 pessoas, entre pedestres, curiosos e jornalistas, testemunhou a queima, organizada por Salwan Momika, um iraquiano de 37 anos que fugiu de seu país e se estabeleceu na Suécia.
Momika pisou no livro sagrado muçulmano, antes de colocar fatias de bacon entre suas páginas e queimar algumas delas. Horas antes, a polícia sueca informou que havia autorizado o protesto, no qual Salwan Momika havia avisado que planejava queimar o Alcorão.
"A polícia autoriza a reunião, porque os riscos de segurança ligados à queima do Alcorão não são tão grandes a ponto de proibi-la", afirmou em sua decisão.
Durante a tarde, porém, a polícia anunciou que irá processar o organizador, por incitação ao ódio.
— É uma loucura, é uma loucura total, só existe ódio por trás dos termos de democracia e liberdade — reagiu Noa Omran, artista de 32 anos presente no protesto, referindo-se aos conceitos apresentados pelo organizador.
Em janeiro, a queima de um Alcorão em frente à embaixada turca na cidade provocou semanas de protestos e pedidos de boicote aos produtos suecos. O episódio também atrasou ainda mais o processo de adesão da Suécia à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), bloqueado pelos turcos.
No pedido de autorização para protestar na quarta-feira, o organizador disse que queria "expressar sua opinião sobre o Alcorão".
"Vou destruir o Alcorão e queimá-lo", escreveu.
A polícia proibiu dois protestos semelhantes, em 6 e 9 de fevereiro, alegando que os mesmos representavam riscos à ordem pública. Os manifestantes recorreram da decisão e um tribunal administrativo deu razão ao grupo no começo de abril. Em meados de junho, um tribunal de apelação manteve a sentença de primeira instância.
Com base nestas opiniões, a polícia decidiu autorizar esta última manifestação, dias antes da reunião de cúpula da Otan em Vilnius (Lituânia), em 11 e 12 de julho, na qual Estocolmo espera avançar em seu processo de adesão à aliança atlântica.
Segundo a polícia, a destruição de exemplares do Alcorão com fogo é um fenômeno crescente no país, o que tornou a Suécia um "alvo prioritário de ataques".
Crítica da Turquia
O ato provocou a ira do ministro turco das Relações Exteriores, Hakan Frida, que denunciou no Twitter o que chamou de ato "vil" e "desprezível".
"É inaceitável permitir essas ações anti-islâmicas sob o pretexto da liberdade de expressão", acrescentou.
Os Estados Unidos se somaram às críticas.
— Sempre dissemos que queimar textos religiosos é uma falta de respeito e pode ser prejudicial — declarou o porta-voz adjunto do Departamento de Estado, Vedant Patel.
Segundo um artigo do jornal sueco "Aftonbladet" com data de 5 de abril, Momika assegurou que sua intenção com este pedido não era dificultar a adesão sueca à aliança atlântica.
— Não quero prejudicar o país que me acolheu e preservou a minha dignidade — apontou ao jornal, pedindo que o Alcorão seja proibido na Suécia.
A Turquia bloqueia a candidatura da Suécia na Otan, que necessita da autorização unânime dos membros da aliança, por considerar que os suecos não atuam contra os grupos curdos radicados no país, que classifica como terroristas.
Além da Turquia, Marrocos também denunciou um ato "ofensivo e irresponsável" e convocou seu embaixador no país escandinavo, segundo um comunicado da chancelaria marroquina.
Protestos da comunidade muçulmana
Dezenas de iraquianos conseguiram entrar brevemente na embaixada sueca em Bagdá, nesta quinta-feira (29), em protesto depois que uma cópia do Alcorão foi queimado em Estocolmo, o que provocou uma onda de indignação entre a comunidade muçulmana.
Os manifestantes, apoiadores do líder xiita iraquiano Moqtada al Sadr, permaneceram na embaixada sueca por cerca de 15 minutos e saíram pacificamente quando as forças de segurança chegaram, segundo um fotógrafo da AFP.
Antes de entrar, os manifestantes se reuniram em frente à embaixada após a convocação do líder xiita. Sadr pediu a "saída do embaixador".
O governo iraquiano condenou na quarta-feira "atos racistas, incitação à violência e ao ódio que ocorrem repetidamente em países que se orgulham de abraçar a diversidade e respeitar as crenças dos demais".
O Ministério das Relações Exteriores do Iraque denunciou "a permissão das autoridades suecas a um extremista para queimar uma cópia do Sagrado Alcorão".
Onda de indignação
O gesto de Momika foi condenado em muitos países de maioria muçulmana, incluindo Arábia Saudita, Egito, Marrocos, Irã e Turquia.
— Ensinaremos aos ocidentais arrogantes que insultar os muçulmanos não é liberdade de expressão — declarou o presidente turco Recep Tayyip Erdogan durante uma aparição na televisão.
A Arábia Saudita, por sua vez, denunciou "atos odiosos e repetidos (...) que incitam ao ódio, à exclusão e ao racismo, e contradizem esforços que buscam difundir valores de tolerância".
O Kuwait, outra monarquia do Golfo, pediu que os autores de tais "atos hostis" fossem processados e impedidos "de usar o princípio das liberdades (...) para justificar sua hostilidade contra o Islã".
O Irã também criticou o gesto do refugiado iraquiano.
— O governo e o povo da República Islâmica do Irã (...) não toleram tal insulto — disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, Nasser Kanani.
Marrocos, por sua vez, convocou seu embaixador na Suécia para consultas e condenou o ato "irresponsável" e as "provocações repetidas, cometidas sob o olhar complacente do governo sueco".
A queima do Alcorão também provocou reação do Egito, o mais populoso dos países árabes, que condenou um "gesto vergonhoso e uma provocação aos sentimentos dos muçulmanos".
Síria, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Afeganistão e Líbano também aderiram às condenações.
"Sim ao Alcorão"
Durante o protesto em frente à embaixada do país nórdico em Bagdá, os manifestantes distribuíram panfletos nos quais se lia em inglês e árabe "Nossa Constituição é o Alcorão. Nosso líder, Al Sadr".
Também queimaram bandeiras do arco-íris, símbolo da comunidade LGBT+, e escreveram "sim ao Alcorão" na entrada da embaixada.
O gesto do refugiado iraquiano na Suécia também provocou a indignação de organizações como a Liga Árabe, que condenou uma "agressão no coração da nossa fé muçulmana".
O Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo culpou as "autoridades suecas por qualquer reação derivada desses atos" e a Organização para a Cooperação Islâmica os condenou "veementemente".
Não é a primeira vez que esse tipo de ação é registrado na Suécia e em outros países europeus.
No passado, algumas delas foram promovidas por movimentos de extrema direita, gerando manifestações e tensões diplomáticas.