Autoridades talibãs, que prometeram perdoar seus adversários, se reuniram nesta quarta-feira (18) com o ex-presidente afegão Hamid Karzai, conversas que receberam o apoio de seu sucessor Ashraf Ghani, que dos Emirados Árabes Unidos expressou seu desejo de retornar ao Afeganistão.
"Por enquanto, estou nos Emirados para evitar o banho de sangue e o caos", disse ele em uma mensagem de vídeo divulgada pelo Facebook. "Estou em negociações para voltar ao Afeganistão", afirmou.
Os Estados Unidos, para os quais "nada" indicava que as forças afegãs entrariam em colapso "em 11 dias", reiteraram que Ghani "não é mais uma pessoa importante no Afeganistão", mas se recusaram a comentar a decisão do país do Golfo de conceder asilo a ele.
O Talibã, buscando formar um governo, "disse que perdoaria todos os ex-funcionários do governo, então não havia necessidade de ninguém deixar o país", disse o grupo de vigilância do site islâmico SITE.
Os novos governantes do Afeganistão, por sua vez, divulgaram imagens do ex-presidente Karzai com Anas Haqqani, um dos negociadores de seu movimento. De acordo com o SITE, eles também se encontraram com o ex-vice-presidente Abdullah Abdullah.
Na terça-feira, o mulá Abdul Ghani Baradar, cofundador do Talibã e chamado a assumir responsabilidades, voltou do Catar e foi recebido por uma multidão ao desembarcar em Kandahar (sul).
Enquanto isso, a vida começa a recuperar seu ritmo em Cabul, apesar do medo. A tranquilidade reinou na quarta-feira na capital afegã, onde a maioria das administrações e empresas foram fechadas por um importante feriado religioso.
Muitos afegãos, no entanto, continuaram a se reunir em frente às embaixadas, após rumores sobre a possibilidade de obtenção de visto ou asilo.
Na terça-feira à noite, os líderes talibãs concederam em Cabul a primeira entrevista coletiva, durante a qual tentaram enviar uma mensagem de conciliação para o mundo.
Eles prometeram trabalhar em favor da reconciliação, não para se vingar de seus oponentes e respeitar os direitos das mulheres, mas os países ocidentais advertiram que seriam julgados "por suas ações".
"Todos aqueles na oposição são totalmente perdoados", disse o porta-voz dos talibãs, Zabihullah Mujahid. "Não vamos buscar vingança", completou o homem, que mostrou o rosto pela primeira vez em muitos anos.
A mensagem não tranquilizou, porém, os principais interessados. "Estou buscando desesperadamente uma forma de partir. Os talibãs odeiam os que trabalharam para organizações diferentes das suas", afirmou, um afegão de 30 anos que colaborou com uma ONG alemã.
O presidente americano, Joe Biden, e a chanceler alemã, Angela Merkel, elogiaram a "estreita" coordenação entre os dois países nas operações de evacuação dos afegãos, de acordo com um comunicado da Casa Branca.
Em uma entrevista por telefone, os dois líderes "elogiaram os esforços de seus civis e militares trabalhando juntos em Cabul. Também falaram da "necessidade de uma coordenação estreita para fornecer ajuda humanitária aos afegãos vulneráveis no país, bem como apoio aos países vizinhos".
As discussões sobre esses temas devem continuar na reunião virtual dos líderes do G7, marcada para os próximos dias.
Na cidade de Jalalabad, os talibãs atiraram para o alto enquanto os moradores protestavam contra a substituição da bandeira afegã pelo movimento extremista, segundo a mídia local.
- Preocupação com as afegãs -
Durante o governo talibã, entre 1996 e 2001, jogos, música, fotografia e televisão foram proibidos. Os ladrões tinham as mãos cortadas, os assassinos eram executados em público, e os homossexuais eram condenados à morte.
Este grupo islamista radical impedia que as meninas frequentassem a escola e que as mulheres trabalhassem, ou saíssem de casa, sem um acompanhante masculino. As que eram acusadas de adultério eram açoitadas e apedrejadas até a morte.
Mujahid afirmou que o grupo está "comprometido a permitir que as mulheres trabalhem de acordo com os princípios do islã", sem revelar detalhes.
Suhail Shaheen, porta-voz do movimento em Doha, disse ao canal britânico Sky News que as mulheres não serão obrigadas a usar a burca (véu integral com apenas uma pequena abertura na altura dos olhos) e que existem "diferentes tipos" de véu.
Nesta quarta-feira, União Europeia, Estados Unidos e outros 18 países, entre eles Brasil, Canadá e Austrália, mostraram-se "profundamente preocupados" com a situação das mulheres no Afeganistão.
"Estamos especialmente preocupados com o impacto do conflito sobre as mulheres e meninas. A educação é um direito humano fundamental e o exercício de outros direitos humanos é essencial", acrescentou a Unesco.
- Advertências -
Ao se apresentar como mais moderado, o regime talibã parece receber uma recepção internacional menos hostil do que há duas décadas, quando apenas três países - Paquistão, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita - reconheceram seu governo.
Nenhum país deu esse passo ainda.
A China se declarou disposta a manter "relações amistosas" com o grupo, e a Rússia considerou as garantias iniciadas apresentadas pelo movimento um "sinal positivo".
O Irã disse que está disposto a trabalhar com a Rússia e a China pela paz no país vizinho. A Turquia também saudou as "mensagens positivas".
As nações ocidentais são, por sua vez, mais reticentes.
"Julgaremos esse regime com base nas escolhas que fizer, por suas ações e não por suas palavras", disse o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.
As autoridades dos Estados Unidos afirmaram que poderiam reconhecer um governo talibã, se este "preservar os direitos fundamentais de seu povo", principalmente das mulheres.
A União Europeia "deve falar" com os talibãs porque "eles ganharam a guerra", reconheceu o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.
Uma reunião extraordinária de chanceleres da Otan terá lugar na sexta-feira, dedicada a "manter uma coordenação estreita e discutir uma abordagem comum para o Afeganistão".
Enquanto isso, os Estados Unidos e outros países ocidentais continuam as transferências de seus diplomatas e dos afegãos que trabalharam com eles, em condições difíceis.
Washington, que quer evacuar o maior número "possível" de pessoas, garantiu que os talibãs estão violando sua promessa de permitir o acesso de afegãos ao aeroporto de Cabul, embora permitam a "passagem segura" de americanos.
A questão da sua recepção gera debate na UE. A Comissária Europeia para os Assuntos Internos, Ylva Johansson, apelou aos países para "acelerarem" a recepção no seu território.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), por sua vez, anunciou que suspenderá os recursos para o Afeganistão devido às incertezas, enquanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) pede que a ajuda humanitária seja mantida.
* AFP