Por Carmela Marcuzzo do Canto Cavalheiro
Advogada, professora de Direito Internacional da Unipampa
O Banco Mundial vem ocupando o noticiário em constantes especulações acerca da possibilidade de nomeação do ex-ministro da Educação do Brasil, Abraham Weintraub. Nesse sentido, faz-se necessário compreender a relevância dos organismos multilaterais e sua função primordial como fóruns de debate em busca de uma maior harmonia internacional, sobretudo em um momento de pandemia, que veio acompanhada de crises socioeconômicas. Vale destacar, nesse cenário, que os países em desenvolvimento, dado que registram seus altos níveis de desigualdade social, precisarão de políticas adequadas, com a demanda de medidas direcionadas aos desfavorecidos e às minorias.
A Associação de Funcionários do Banco Mundial chegou a pedir a suspensão da nomeação de Weintraub, mas o Conselho de Ética da instituição manifestou-se afirmando não poder influenciar na nomeação para o alto cargo de diretor executivo, especialmente quando o funcionário ainda não tomou posse. Há a considerar, ainda, o fato de que essa indicação está relacionada com a soberania nacional, não cabendo interferências externas.
Essa política tem origem quando da criação tanto do Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird, ou Banco Mundial) quanto do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 1944, ao final da Segunda Guerra Mundial, mediante a liderança dos EUA para reconstruir o mundo capitalista. Naquele momento, fazia-se fundamental a adoção de uma política eficiente para a criação de um mercado de consumo devastado pelo pós-guerra. Embora tenham surgido juntos, é importante destacar a diferença entre o Bird e o FMI, sendo que este último trabalha com a concessão de empréstimos a países com problemas financeiros com a contrapartida do estabelecimento de metas a serem cumpridas pelos tomadores desses empréstimos. Já o Banco Mundial é uma agência da Organização das Nações Unidas (ONU) que tinha como objetivo inicial colaborar na reconstrução dos Estados afetados pela guerra.
Como organização internacional, o Bird é detentor de imunidades, codificadas por tratados internacionais que devem ser mencionados: Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, de 1946, Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Agências Especializadas, de 1947, e a Convenção de Viena sobre a Representação dos Estados em suas Relações com Organizações Internacionais de Caráter Universal, de 1975. O significativo aumento das organizações demonstra a complexidade de temas que demandam profícuo diálogo da sociedade internacional.
A seriedade no modus operandi de organizações internacionais deve ser relembrada com casos concretos. Um deles ocorreu com o ex-diretor do FMI, o francês Dominique Strauss-Kahn. Empossado em 1º de novembro de 2007, ele foi acusado de assédio sexual por uma camareira em maio de 2011. Na época, sua defesa alegou que usaria a sua imunidade diplomática por dirigir uma organização internacional para não responder por esse tipo de crime, no entanto, seu pedido de imunidade foi rejeitado judicialmente. A incontornável situação levou à renúncia de Strauss-Kahn, seguida da nomeação da francesa Christine Lagarde para o cargo (atualmente, Lagarde é presidente do Banco Central Europeu). Weintraub, lembremos, é investigado internamente, no Brasil, por suas declarações de caráter racista em relação a minorias e xenofóbicas no que diz respeito à China, além de ter pregado, em uma reunião ministerial, a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Organizações como o Bird defendem valores democráticos, a exemplo da defesa de minorias e do repúdio ao racismo. O Bird, especificamente, está hoje em dia voltado a políticas de combate à pobreza em Estados com renda média e baixa, situação esta agravada em decorrência da pandemia. É fundamental, nesse momento, ter uma grande sensibilidade na adoção das políticas direcionadas aos países em desenvolvimento. É o desafio diante do qual o Banco Mundial, que está à espera de Weintraub, se encontra.