O presidente da Argélia, Abdelaziz Bouteflika, de 82 anos, pressionado por uma inédita onda de protestos iniciada há mais de um mês e abandonado pelo Exército, renunciou ao cargo nesta terça-feira (2) à noite, anunciou a imprensa oficial.
Bouteflika, no poder há 20 anos, "avisou oficialmente o Conselho Constitucional do fim de seu mandato como presidente da República" a partir de "hoje", anunciou a TV nacional, algumas horas depois de o Exército argelino questionar a autoridade da Presidência.
A agência oficial de notícias APS indicou que o presidente da República, com a saúde debilitada, "notificou oficialmente o presidente do Conselho Constitucional sua decisão de pôr um fim ao seu mandato".
A TV nacional divulgou imagens de Buteflika, sentado em uma cadeira de rodas, entregando a carta de demissão ao presidente do Conselho Constitucional, Tayeb Belaiz.
É o presidente do Conselho da Nação (câmara alta), Abdelkader Bensalah, quem deve garantir a substituição, segundo a Constituição argelina.
Assim que se divulgou a notícia da renúncia de Bouteflika, buzinaços foram ouvidos nas ruas de Argel, embora os moradores não tenham saído de casa.
Na segunda-feira, a Presidência argelina tinha anunciado em um comunicado que o presidente renunciaria antes do fim do atual mandato, em 28 de abril, após ter tomado "medidas para garantir o funcionamento das instituições do Estado durante o período de transição", mas sem dar maiores detalhes.
Na terça-feira, após uma reunião dos mais altos oficiais militares, seu chefe do Estado maior, general Ahmed Gaid Salah, disse que este comunicado não emanava do chefe de Estado, mas de "entidades não constitucionais e não habilitadas" para fazê-lo.
"Neste contexto particular, confirmamos que qualquer decisão tomada fora do marco constitucional é considerada nula e não conveniente", acrescentou o general Salah, sugerindo que o Exército poderia não se submeter mais às decisões provenientes da Presidência.
A renúncia ocorre após um mês de crise política iniciada com o anúncio, em 10 de fevereiro, por Abdelaziz Buteflika, muito debilitado aos 82 anos por um acidente vascular cerebral sofrido em 2013, de optar por um quinto mandato em uma eleição inicialmente prevista para 18 de abril, mas adiada sem uma data definida.
- Repercusão na França -
Ao ser informado da renúncia, o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, declarou que confiava numa "transição democrática" de poder na Argélia.
"O povo argelino mostrou nas últimas semanas, com uma mobilização contínua, digna e pacífica, que estava determinado se fazer ouvir", destacou Le Drian numa declaração escrita sobre a ex-colônia francesa.
"Confiamos na capacidade de todos os argelinos para que esta transição democrática se produza com o mesmo sentido de calma e responsabilidade" das últimas semanas, informou o chanceler.
Com a saída de Buteflika, a "Argélia vira uma página importante de sua história", acrescentou.
- Preservação de interesses pessoais" -
O general Gaid Salah, leal durante muito tempo ao presidente Bouteflika, criticou "a teimosia, a tergiversação e a hipocrisia de certos indivíduos que agem para fazer perdurar a crise e torná-la mais complexa".
Estes indivíduos têm como "única preocupação a preservação de seus interesses pessoais", acrescentou, no que parecia um ataque ao entorno próximo do presidente argelino.
Os protestos começaram em 22 de fevereiro após o anúncio da candidatura de Bouteflika a um quinto mandato nas presidenciais de 18 de abril.
Semana após semana, o presidente tentou se agarrar ao poder, multiplicando propostas, vistas pelos manifestantes como manobras, medidas que não conseguiram acalmar a contestação.
Após se recusar a se apresentar a um quinto mandato, Bouteflika adiou por tempo indeterminado as presidenciais e tentou se manter no cargo indefinidamente após seu mandato para organizar a transição.
Esta opção foi rechaçada categoricamente nas ruas e o presidente argelino acabou jogando a toalha após ter sido abandonado maciçamente por seus apoiadores nas últimas semanas.
Nesta terça, os estudantes voltaram a sair às ruas de Argel para pedir sua demissão.
* AFP