
O grupo separatista ETA emitiu declaração, nesta sexta-feira (20), em que, pela primeira vez, lamenta a dor causada por sua campanha armada pela independência basca, além de prometer não retomar o uso da violência. Publicada nos jornais bascos Beria e Gara, o comunicado diz que a organização está ciente de que causou muita dor às pessoas, "incluindo muitos danos que não têm solução".
"Queremos mostrar respeito aos mortos, feridos e às vítimas das ações do ETA. Nós realmente sentimos muito", diz o texto.
O ETA, após mais de 40 anos promovendo ataques que resultaram na morte de cerca de 850 pessoas, desistiu da campanha violenta em 2011 e se desarmou no ano passado. A organização, segundo a emissora basca ETB, vai oficializar sua dissolução no início de maio.
Associações de vítimas do terrorismo, que exigiam há anos pedido de desculpas do ETA, criticaram o comunicado, que consideraram insuficiente.
— Me parece vergonhoso e imoral que façam esta distinção entre os que mereciam o tiro na nuca, a bomba no carro e os que foram vítimas por acaso, porque não mereciam — afirmou ao canal público TVE a presidente da Associação das Vítimas do Terrorismo, María del Mar Blanco.
Para o governo do primeiro-ministro Mariano Rajoy, que desde 2011 rejeita qualquer tipo de negociação com o grupo, a declaração do ETA "não é mais que outra consequência da força do Estado de Direito que venceu o ETA com as armas da democracia".
— Há muito tempo o ETA deveria ter pedido desculpas de forma sincera e incondicional.
O ETA foi criado durante a ditadura de Francisco Franco, acusado de reprimir a cultura basca, mas, depois da morte do ditador, o grupo intensificou suas ações, gerando espiral de ódio que também teve a participação de grupos de extrema-direita e associações parapoliciais como os GAL, criados nos anos 1980.
O grupo tem quase 300 membros detidos na Espanha, França e Portugal, entre 85 e 100 foragidos e uma dezena de pessoas expulsas pela França, sem documentos. A organização deseja a transferência dos detidos para prisões mais próximas da região do País Basco e espera obter alteração da política penitenciária com sua dissolução.
Veja os trechos mais relevantes do comunicado divulgado pelo grupo:
Dano causado
"O ETA, a organização revolucionária socialista e revolucionária de libertação nacional, deseja reconhecer por meio desta declaração o dano que causou no curso de sua trajetória armada, bem como mostrar seu compromisso com a superação definitiva das consequências do conflito e com a não-repetição".
Responsabilidade
"Nestas décadas, nosso povo padeceu de inúmeros sofrimentos: mortos, feridos, torturados, sequestrados ou pessoas que foram forçadas a fugir para o Exterior. Um tremendo sofrimento. ETA reconhece a responsabilidade direta nesta dor, e deseja manifestar que nada disso jamais deveria ter acontecido ou não deveria ter durado tanto tempo, já que esse conflito político e histórico deveria ter tido uma solução democrática justa".
Violência herdada
"O sofrimento imperava antes do nascimento do ETA, e continuou depois que o ETA abandonou a luta armada. As gerações posteriores ao bombardeio de Guernica herdaram a violência e o lamento, e corresponde a nós construir um novo futuro para as gerações vindouras".
Arrependimento
"Estamos cientes de que neste longo período de luta armada causamos muita dor, incluindo muitos danos que não têm solução. Queremos mostrar respeito aos mortos, feridos e às vítimas das ações do ETA. Nós realmente sentimos muito".
Perdão
"Como resultado de erros ou decisões erradas, o ETA também causou vítimas que não tinham participação direta no conflito, tanto em Euskal Herria (país basco) quanto fora dele. Sabemos que, forçados pelas necessidades de todos os tipos decorrentes da luta armada, nossas ações prejudicaram os cidadãos sem qualquer responsabilidade. Também causamos sérios danos que não tem como voltar. Pedimos perdão a essas pessoas e suas famílias. Essas palavras não vão resolver o que aconteceu, nem mitigarão tanta dor. Reconhecemos isso com respeito, sem querer causar novamente qualquer aflição".
Ações "injustas"
"Entendemos que muitos consideram e expressam que nossa atuação foi inaceitável e injusta, e respeitamos esse pensamento, pois não se pode forçar ninguém a dizer o que não pensa ou sente. Para outros muitos também foram totalmente injustas, apesar de utilizar o disfarce da lei, as ações das forças do Estado e das forças autonomistas que atuaram conjuntamente, e tampouco esses cidadãos merecem ser humilhados. O ETA, por outro lado, tem outra posição: gostaríamos que nada disso tivesse acontecido, que a liberdade e a paz tivessem criado raízes em Euskal Herria há muito tempo".
Reconciliação
"Reconhecemos toda a responsabilidade contraída e os danos causados (...) É isso que o ETA quer expressar. Precisamente olhando para o futuro, a reconciliação é uma das tarefas a serem realizadas em Euskal Herria, algo que em dada medida está ocorrendo com honestidade entre os cidadãos. É um exercício necessário conhecer a verdade de forma construtiva, fechar as feridas e construir garantias para que esse sofrimento não volte a acontecer. Dando uma solução democrática ao conflito político, poderemos construir a paz e alcançar a liberdade em Euskal Herria, para finalmente apagar as chamas de Guernica".