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A tensão provocada pelo terror está afetando o turismo internacional. O sinal mais eloquente vem da França, onde as reservas de hotel feitas por estrangeiros tiveram queda de 10% no primeiro semestre, mesmo com a realização da Eurocopa no país entre 10 de junho e 10 de julho. As informações são da Secretaria para a Promoção do Turismo. A constatação do governo francês é de que os turistas mais temerosos são americanos, asiáticos e árabes do Golfo. Os hotéis de luxo são os mais prejudicados.
A França é um termômetro. Com 7% do Produto Interno Bruto (PIB) voltado ao turístico, o país é o mais visitado do mundo e tem sido alvo de atentados. Em 2015, recebeu 85 milhões de estrangeiros, apesar dos rumorosos ataques terroristas de que foi alvo. No início de janeiro de 2015, o terror invadiu a redação da revista satírica Charlie Hebdo, em Paris, e matou 12 pessoas. Depois, deixou mais quatro mortos em armazém judaico. Em novembro, foram 130 mortos na capital francesa e imediações. Em 14 de julho de 2016, 85 pessoas foram mortas em Nice atropeladas por um caminhão. Tudo com autoria reivindicada pelo grupo Estado Islâmico (EI).
O governo francês se mobiliza para estancar o arrefecimento turístico. Lançará, no Exterior, plano com o slogan "Um destino seguro", envolvendo jornalistas e profissionais de turismo estrangeiros.
Na Turquia, outro país de alto apelo turístico, atentados também atingiram o setor em 2016. Os ataques visaram atrações tradicionais. Em Istambul, em 12 de janeiro, 12 alemães foram mortos em ataque suicida na área de Sultanahmet, perto da basílica de Santa Sophia e da Mesquita Azul, ícones do patrimônio cultural. Em 19 de março, três israelenses e um iraniano foram mortos, também por um suicida, na avenida mais famosa de Istambul, a Istiklal. Resultado: no primeiro semestre, o número de visitantes caiu 23%.
Brasil tem queda nas viagens internacionais
Bacharel em Administração Hoteleira e autora de livros sobre o setor, Farah Serra diz:
– É incontestável que o terrorismo impacta a economia e o turismo de um país. Podemos pegar o atentado que ocorreu em Nice, cidade da Riviera Francesa, que depois de Paris é a mais popular entre os turistas que visitam a França. Logo depois, na bolsa de Paris, as ações do grupo hoteleiro AccorHotels e da companhia de aluguel de veículos Europcar caíram. A chegada de turistas à capital em voos regulares também diminuiu. Estima-se que os hotéis da França já perderam quase 300 milhões de euros desde os ataques simultâneos na cidade.
Sobre a Turquia, ela completa:
– Na Turquia, a projeção é que o turismo perderá, neste ano,
7 milhões de euros, em razão do medo provocado pelos atentados aleatórios que têm atingido, em especial, Ankara e Istambul.
No Brasil, os dados da Associação Brasileira de Empresas Aéreas (Abear) delineiam: em junho de 2016, em comparação com igual mês de 2015, a procura por viagens internacionais, no geral, recuou 5,1%, pior resultado em quatro baixas seguidas. A entidade ressalva que não tem a razão precisa do fênomeno e que a desvalorização do real também influencia os índices.
Representante da consultoria Tourism & More no Brasil, o especialista em segurança Camilo D'Ornellas diz que "um dos objetivos do terror é atacar destinos turísticos". Por isso, "o setor pode e deve estar em alerta constante, de forma racional e equilibrada, sem exageros, porque "a ameaça é real".
– É possível trocar informações com outras agências de inteligência e manter todos os sistemas em alerta permanente – afirma.
– Também é importante manter a população informada, para estar atenta a situações estranhas. A proximidade com os órgãos de segurança é fundamental.
Sobre Brasil e Olimpíada, D'Ornellas diz, referindo-se à tranquilidade demonstrada nos Jogos, pelo menos por ora:
– A tendência é de haver mais confiança do turista internacional no Brasil como lugar seguro.
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ENTREVISTA - PETER TARLOW, SOCIÓLOGO
“O lobo nunca é solitário”
O americano Peter Tarlow, PhD em Sociologia na Texas A&M University, graduado em Psicoterapia e Literatura espanhola e hebraica, é das mais importantes autoridades mundiais em segurança no turismo.
Do Texas, ele falou com Zero Hora:
Há redução do turismo em países como a França e a Turquia. O terror ameaça a indústria turística?
Sim. França e Turquia têm muito menos turismo neste ano. Estamos no verão, e os atentados chegam à França no pior momento. Os turcos ainda enfrentam instabilidade política. Muitos dos atentados na Turquia estão nos bairros turísticos de Istambul ou na costa mediterrânea.
Como se faz para evitar a redução da indústria turística?
Há muito a fazer. Tenho escrito livros sobre isso. Uma cidade que não quer perder seu turismo precisa adotar seriamente a segurança turística. Precisamos de profissionais que falem outras línguas, que compreendam o que é ataque químico, como funciona a guerra cibernética, quais as culturas diferentes e que ajuda especial precisam. Devem compreender a diferença entre terrorismo e crime comum. Precisamos treinar juízes e políticos e ter um plano integral. O primeiro passo é analisar a zona turística. Devemos ver os especialistas que trabalham na segurança turística como um médico que nos examine para determinar como vencer nossas debilidades.
Nesta era de "lobos solitários", como detectar ameaças?
"Lobos solitários" são uma invenção da imprensa e dos políticos. Não existe esse conceito na prática, porque o lobo nunca é solitário. Precisamos compreender as ideologias que produzem o terrorista e parar o terrorismo nos lugares onde começa. O terrorismo é um vírus social, como o nazismo foi. Matar uma pessoa é inadmissível. Não há razão para justificar o assassinato de inocentes nas ruas de uma cidade. Quem desculpa um assassinato desses pode ser a próxima vítima. É importante compreender quem é o inimigo e qual sua ideologia. No caso do turismo, o terrorista moderno quer destruí-lo porque representa o contrário do que ele quer.
O atentado em Nice, em 14 de julho, surpreendeu as pessoas por não ser em Paris, na data nacional. Essa imprevisibilidade pode ser contida?
Nice é a capital do turismo na Riviera. O turismo é imã para os atentados, e estamos frente à época principal de turismo na França. Foi surpresa só para quem não compreende a situação francesa e os problemas que esse país tem enfrentado e ainda vai enfrentar.
Que países têm recebido mais a atenção de consultorias no setor?
Há dois grupos de países: os que pedem a ajuda de consultor ao ter um problema e os que têm a inteligência de pedir ajuda antes do problema. Infelizmente, há mais países no primeiro grupo. É como na área da saúde. Prevenir é mais barato do que curar um problema médico. Mas quantas pessoas seguem fumando?
Em 1992 e 1994, quando houve os atentados contra a embaixada de Israel e a Amia, os argentinos se surpreenderam. Era a chegada do terror islâmico à América do Sul. Hoje, o mundo todo pode ser alvo?
Os argentinos disseram que ficavam surpresos, mas esses atentados foram bem planificados. Hoje, nos perguntamos o quanto o governo argentino sabia e por que escolheram nada fazer. A ideia de ser como avestruz com a cabeça na terra é muito perigosa. Talvez ainda cometamos os mesmos erros. Os terroristas nos dizem sua política e seus objetivos, e preferimos não crer. A pergunta deve ser por que escolhemos ser cegos. É o mesmo que aconteceu com os nazistas na Alemanha. Ninguém queria ver o perigo até que foi demasiado tarde.
Na Olimpíada do Rio, houve consultas a especialistas sobre alvos turísticos?
Não tenho como responder a isso. Não sei. Espero que sim.