Nimes, França - Mais de dois anos depois que ela, o marido e outras cinco pessoas foram feitas reféns por islamistas no deserto do Níger, Françoise Larribe, de 64 anos, se agarra à esperança de que o esposo, Daniel, ainda esteja vivo, relativamente seguro e ileso.
Seus captores integram o grupo militante al-Qaeda no Magrebe islâmico, que combate os exércitos franceses e chadianos no norte do Mali. Autoridades francesas acreditam que ele e três outros reféns ainda estejam vivos e, provavelmente, devem estar sendo mantidos na mesma vasta região montanhosa onde a luta vive seu momento mais intenso.
A incerteza de Larribe se torna maior com a possível morte de Abdelhamid Abu Zeid, subcomandante do grupo militante e o homem que capturou os reféns, que teria sido morto durante um ataque aéreo francês. Ninguém sabe quem é o responsável pelos reféns agora.
Praticamente o único consolo com que Larribe pode contar é a compreensão que desenvolveu da situação durante os mais de cinco meses passados no cativeiro após o sequestro, em setembro de 2010. De certa forma, ela teve sorte. Com câncer de mama, ela não poderia ser tratada no deserto e Abu Zeid concordou com sua libertação em fevereiro de 2011, embora não esteja claro por qual tipo de resgate.
Para Larribe, os reféns, funcionários da gigante nuclear francesa Areva, e da Sogea-Satom, subsidiária da construtora francesa Vinci, são valiosos demais para a al-Qaeda lhes fazer mal.
- Nós podemos imaginar que eles estejam abrigados - ela afirmou em entrevista. -Porém, abrigados do quê? De quem? É positivo? Eu não sei.
A filha, Marion, 31 anos, foi mais explícita recentemente na televisão francesa. A notícia da intervenção da França no Mali foi "aterrorizante", ela declarou ao programa televisivo diário "Grand Journal". "Se você tiver exemplos de reféns libertados pela força militar, com reféns surgindo vivos, eu não tenho."
Desde a libertação, Larribe tem tido de lidar não apenas com a ausência do marido como também com a falta de informações e a ansiedade persistente de que a guerra no Mali pode colocar a vida dos sequestrados num risco ainda maior. Ela teme por sua saúde, nervos e resistência ao calor violento e às frequentes tempestades de areia.
- É impensável, é insuportável, é muita injustiça - disse Larribe, sentada num restaurante panorâmico em Nimes, sul da França. - É difícil para nós admitirmos que ninguém tenha encontrado uma solução.
Ela vem trabalhando incansavelmente com as famílias dos outros reféns para manter o governo e a atenção pública cientes do drama vivido pelo marido, agora com 62 anos, e os outros três que continuam presos: Pierre Legrand, Thierry Dol e Marc Feret.
Larribe chegou até a abandonar a reserva natural em participar de reuniões, levantar cartazes em prefeituras de toda a França e enviar cartas a legisladores para conscientizá-los a respeito da situação dos reféns.
Larribe é uma das poucas ocidentais que conheceu Abu Zeid, o qual teria tomado como reféns mais de 20 ocidentais desde 2008 e ordenado a morte de pelo menos dois deles: um britânico, Edwin Dyer, e Michel Germaneau, francês de 78 anos.
- Ele tem certo carisma, a seu próprio modo - Larribe falou a respeito de Abu Zeid, argelino que deve ter entre 47 e 48 anos. - Não tenho indícios de sua crueldade, mas ele claramente me impressionou com sua força, e a impressão passada de estar em toda parte.
Larribe afirmou havê-lo encontrado duas vezes e, por intermédio de um tradutor, Abu Zeid chegou a fazer perguntas sobre sua vida em Arlit, cidade industrial no Níger, nos arredores da fronteira argelina, onde ela e o marido foram morar em 2003, e de onde foram sequestrados.
Daniel Larribe, geólogo, passou quase 40 anos trabalhando na África inteira, no Togo, Burkina Faso, Mali e Chade. Assim, a ideia de morar numa cidade mineira escondida num dos desertos mais áridos e inóspitos da África não os assustou, esclareceu Françoise Larribe.
- Nós ficamos emocionados. Eu sempre sonhei com o deserto.
Até seu sequestro em casa no meio da noite, o casal se sentia seguro no Níger. Eles mal conheciam Abu Zeid e não se preocupavam especialmente com sequestros. Contudo, eles ficaram com medo quando o caminhão dos sequestradores se dirigiu a oeste.
- Nós estávamos muito preocupados que eles nos trouxessem para a Mauritânia. Foi lá que a al-Qaeda executou o Sr. Germaneau.
Ela e os outros reféns ficaram mais de cinco meses no deserto, vestindo roupas militares para não serem descobertos, dormindo no chão e comendo uma massa de farinha de aveia nativa contaminada com areia.
Larribe recordou-se, com certo distanciamento e atenção aos detalhes, das viagens sem-fim de um campo para outro, dos vídeos que os reféns eram forçados a gravar para mostrar ao mundo "sinais tangíveis de vida", da solidão infinita do deserto e dos momentos de exaltação sempre que um bando de rolinhas voava baixo.
- Nós falávamos uns aos outros que tínhamos de esperar seis meses - disse Larribe. - Contávamos o dias feito prisioneiros, mas não éramos prisioneiros no sentido tradicional; éramos prisioneiros, embora não tivéssemos feito nada.
Para enfrentar o tédio, o grupo tentava encontrar formas inovadoras para "estruturar o tempo". Ela contou organizar "viagens" mentais para os países africanos que eles amavam ou inventar planos de viagem às nações que desejavam descobrir.
- Nós nos falávamos 'vamos voltar à Namíbia' e, a seguir, pensávamos no que faríamos por lá, nas coisas que desejávamos ver novamente. Nós tentávamos nos lembrar dos lugares e nos organizar.
Segundo ela, seus captores interagiam com eles algumas vezes, para lhes perguntar sobre seus trabalhos, aprender um pouco de francês e criticar o mundo ocidental, o qual, segundo eles, odeia o islã.
Um dia, quando um dos sequestradores apareceu com um bule de chá, Larribe contou ter ficado muito empolgada com a ideia de finalmente ter algo a fazer.
- Nós iríamos preparar o chá da tarde. De repente, ficamos com a impressão de mergulharmos de volta na vida ocidental.
Em fevereiro de 2011, ela foi libertada por motivos "humanitários", depois de jornalistas terem afirmado que a prisioneira sofria de câncer de mama, assunto não discutido por Larribe.
Após a libertação, ela foi cumprimentada pela presidente da Areva à época, Anne Lauvergeon, e pelo ex-presidente francês Nicolas Sarkozy.
Hoje em dia, Larribe, que já atuou como assistente social na França, mora numa casa em Mialet, cidadezinha nos arredores de Nimes. Ela canta num coral e faz pinturas a óleo. Contudo, sua mente continua "lá".
Em maio, um ano após a libertação, Larribe recebeu uma carta do marido. Ele afirmou estar bem e sendo tratado "dignamente".
Em vídeo publicado em setembro pela Sahara Media, agência de notícias privada da Mauritânia ligada à al-Qaeda, Daniel Larribe, que parecia cansado e de rosto macilento, disse lamentar não poder estar na França para comemorar seu aniversário de 40 anos de casamento.
Questionada sobre seu estado mental, Françoise Larribe respondeu que o considera bem expresso num poema de Guillaume Apollinaire, "Le Pont Mirabeau".
- Como a vida é lenta, como a esperança é violenta.
The New York Times
Ex-refém no deserto do Níger teme pela vida de quem ficou para trás
Francesa foi presa por grupo de militantes islamistas junto com o marido, de quem não teve mais notícias desde que foi libertada
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