Guangzhou, China - O ano era 1926, pouco tempo depois da queda da dinastia Qing, e boa parte da China estava nas mãos de senhores da guerra. No sul, líderes do jovem partido político Kuomintang criaram um exército. À frente das forças militares estava Chiang Kai-shek, que convocou oficiais que havia ajudado a treinar para marchar em direção ao norte, derrubando, um a um, todos os senhores da guerra.
A Expedição Norte foi um dos primeiros grandes testes para os graduados na Academia Militar de Whampoa, fundada dois anos antes na calma ilha de Changzhou, a cerca de 16 quilômetros a leste de Guangzhou, conhecida no ocidente como Cantão. Chiang era o primeiro comandante da academia, indicado por Sun Yat-sen, o idealizador de um exército que poderia unificar a China.
A academia se transformou em uma série de prédios de dois andares próximos a um campo naval ainda em atividade e é um dos símbolos mais potentes do movimento nacionalista liderado por Sun, que possui um forte eco contemporâneo no chamado de guerra feito por Xi Jinping a seus compatriotas chineses após aceitar o cargo de secretário geral do Partido Comunista em novembro.
Xi falou sobre o "grande renascimento da nação chinesa", que deverá ser conquistado por meio da contínua abertura da economia, do combate à corrupção e da construção de um exército forte. Em dezembro, durante sua primeira viagem para fora de Pequim, Xi visitou diversas cidades na província de Guangdong; o tour incluiu visitas a autoridades do Exército de Liberação Popular, além de uma foto em um destroier da marinha. Embora não tenha ido até a academia de Whampoa, a mensagem enviada por Xi era a mesma de Sun há um século.
- Quando Sun Yat-sen fundou a academia de Whampoa, seu objetivo era unificar a China e reviver a nação chinesa, e essa é exatamente a mesma missão do secretário Xi - afirmou Zeng Qingliu, historiador da Academia de Ciências Sociais de Guangzhou e roteirista de uma série de televisão sobre a academia de Whampoa. - Com esse objetivo e essa missão, o povo chinês de todo o mundo será atraído a Whampoa.
Aos trancos e barrancos desde o fim da era Mao, os comunistas e o Kuomintang - que fugiu para Taiwan após perder a guerra civil, em 1949 - ensaiam uma reaproximação. A academia Whampoa representa uma era na qual os dois lados cooperaram por um "bem maior" e recentes exposições organizadas no local mostram o Kuomintang sob luzes relativamente conciliatórias. Isso também ressoa no chamado de guerra de Xi, que deseja inspirar todos os chineses - até mesmo os de fora do continente, incluindo Taiwan - a tomar parte do projeto comunista para o renascimento da pátria.
A primeira turma de Whampoa tinha 600 alunos, entre os quais 100 eram comunistas, afirmou Zeng. Importantes assessores russos trabalharam na escola. Chu En-Lai era o diretor político e outros comunistas famosos trabalharam ou treinaram no local. Contudo, a escola nunca esteve sob o comando do partido.
O Kuomintang mudou a academia para a cidade de Nanjing em 1927, depois de um conflito com os comunistas, e mais adiante para a cidade de Chengdu, depois da ocupação japonesa em Nanjing, conhecida na época como Nanquim. Depois que o Kuomintang se mudou para Taiwan, criou ali uma academia militar, e afirmou ser a sucessora de Whampoa. Mas quando os historiadores falam de Whampoa, referem-se à primeira versão da escola, antes da saída de Guangzhou, afirmou Zeng.
Bombas japonesas destruíram o campus em 1938 e o local só foi reconstruído em 1984, quando havia planos para a construção de um museu. Os prédios brancos entrelaçados com grossas vigas de madeira são recriações dos originais. Uma estátua de Sun observa o local a partir de uma colina. Entusiastas do exército, fãs de história e outros turistas chegam ao museu depois de uma viagem de 10 minutos de balsa, com saída de um píer silencioso na zona leste de Guangzhou. Em uma tarde recente, uma jovem servia de guia para um punhado de soldados. Eles caminhavam pelo terraço do segundo andar e observavam os quartos reconstruídos, incluindo um dormitório com dezenas de camas simples sobre o assoalho de madeira, uma sala de jantar e o escritório de Sun.
Fora do portão principal, não muito longe de uma parede preta com os nomes de soldados caídos, grupos de turistas tiravam fotografias. Em seguida, caminhavam lentamente pelas salas da galeria para observar as fotos em preto e branco e as pinturas que mostravam - a partir de uma perspectiva aprovada pelo partido - a história das guerras travadas pela China no século XX.
Este ano, havia uma exibição especial sobre os soldados chineses que lutaram contra os japoneses no sudoeste da China, ao longo da estrada da Birmânia. A exposição incluía fotos do tenente-general Claire Lee Chennault, o aviador americano que liderou a unidade dos "Flying Tigers" até o local. Outra foto mostrava Chiang.
Imagens de Chiang e colegas do Kuomintang eram as que chamavam mais atenção, especialmente de visitantes que ouviram os comunistas demonizá-los durante décadas. Textos elogiavam Chiang por liderar a Expedição Norte e a Expedição Ocidental, que retomou em 1926 os territórios dominados por senhores da guerra em Guangdong.
- Na minha época, os comunistas o chamavam de bandoleiro Chiang - afirmou Yook Kearn Wong, um ex-comunista de 80 anos, vindo dos Estados Unidos. - Agora é conhecido como Sr. Chiang.
Wong e dois antigos colegas do ensino médio de Guangzhou passeavam pelo museu e apontavam várias pessoas nas fotos. - Existem até retratos de oficiais que lutaram contra os comunistas - afirmou Chen Guorong, um dos colegas de classe. - Lemos sobre tudo isso na internet e assistimos a documentários. Antes não conhecíamos nossa própria história. Agora tudo está lentamente sendo revelado.
O terceiro homem, Zhou Zhaohong, concordou. - Os comunistas nunca revelaram a verdadeira história do Kuomintang - afirmou.
O museu teve a iniciativa incomum de organizar uma exposição com 240 fotografias históricas que viajaram para duas cidades em Taiwan no começo de dezembro, de acordo com a agência pública de notícias Xinhua. Mais de 100 ex-alunos da Whampoa foram à abertura da exposição em Kaohsiung no dia primeiro de dezembro, segundo reportagem da Xinhua, que acrescentou que há mais de 200 ex-alunos vivendo na China e em Taiwan.
- As fotos realmente trazem a história de volta à vida, e essa história foi de muitas glórias - afirmou Liu Ding-Pang, de 55 anos, graduado pela academia de Kaohsiung, descendente da Whampoa.
Mas Liu, que viu a exposição em Taiwan, comentou que não havia tantas fotos de ex-alunos famosos quanto esperava. - Espero que a China passe a ter uma atitude mais aberta em relação à história - afirmou.
Uma agência do Ministério da Cultura da China e um clube de ex-alunos na China ajudaram a organizar a exposição. Lin Shangyuan, de 88 anos, é presidente da Associação Nacional de Ex-Alunos da Whampoa e afirmou que a intenção dos clubes regionais é a de "manter vivo o espírito da Whampoa".
Com um discurso semelhante ao de Xi e outros líderes do partido, Lin afirmou que aqueles que frequentaram a Whampoa tinham "o mesmo objetivo, o mesmo sonho e a mesma crença, que é a de tornar a nação chinesa independente, democrática e próspera".
The New York Times
Em busca de união, China abraça seu passado pré-comunista
País procura em sua história a inspiração para o chamado "renascimento da grande nação chinesa"
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