Mopti, Mali - Centenas de jovens estão espremidos em campos de treinamento improvisados perto desta capital, levantando às 4h para exercícios físicos e simulações de combate - em preparação para o dia em que poderão libertar sua terra natal, Mali, dos islamistas radicais que expulsaram milhares de civis desesperados e assustados do país.
Os ávidos recrutas contam com quase nenhuma arma, pouco treinamento militar, e pouco mais do que o chão para dormir. Eles definitivamente não estão no exército. Um instrutor, usando um uniforme reaproveitado, grita: "Apresentar, armas!". Mas não há armas para apresentar.
Mesmo assim, os jovens rapazes (e algumas mulheres) destas milícias improvisadas de cidadãos, colocados à beira do confronto real com os islamistas, possuem algo de que o exército oficial de Mali aparentemente carece: uma feroz disposição para desfazer a conquista jihadista do norte de Mali - que alarmou governos do mundo todo, gerou ameaças de uma força de intervenção regional e impôs um regime opressivo de espancamentos públicos, açoites e até mesmo apedrejamentos do povo local.
Desde que o exército malinês derrubou o presidente, em março, pondo fim a décadas de governo democrático, o país perdeu o controle sobre seus vastos desertos do norte. Uma sucessão de combatentes empenhados em impor um islamismo radical - incluindo membros da al-Qaeda no Magrebe islâmico - dominou a cidade turística de Timbuctu e outros locais estratégicos, aterrorizando ou expulsando quaisquer outros candidatos ao poder, destruindo templos históricos e aplicando punições livremente nas ruas.
O exército de Mali parece estar em desordem, preocupado em suprimir revoltas em suas próprias fileiras e dissidências entre os cidadãos no sul do país. Soldados que seu opõem à junta militar foram torturados, jornalistas foram sequestrados e o comando militar parece mais focado em punir seus rivais na capital do país do que em desafiar os poderosos islamistas no norte.
Dadas a discórdia interna e a relutância em enfrentar os islamistas, o exército vem se mostrando bastante disposto a ajudar as milícias nascentes, alimentando-as, oferecendo instrução e até mesmo permitindo que elas se abriguem e treinem em terras abandonadas do governo.
"Essas milícias são muito boas", afirmou o coronel Didier Dacko, que comanda o exército de Mali aqui. "Estamos constantemente em contato com eles. E os ajudamos com comida e treinamento."
Outras nações da África ocidental propuseram enviar uma força regional de 3 mil soldados para ajudar Mali a recapturar seu território. Mas o plano ainda precisa ser aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU, e Dacko declarou que qualquer ofensiva formal, com ou sem apoio internacional, ainda está fora de questão. De fato, o coronel afirmou que seus homens não estavam nem mesmo patrulhando as áreas disputadas.
Por outro lado, os líderes das milícias - alguns deles veteranos das guerrilhas que assolam este país desde sua criação - insistem que seus grupos de jovens, apesar das camisetas sujas e jeans esfarrapados, estão prontos. Só faltam as armas.
"Estamos perdendo tempo", disse Amadou Malle, ex-contador e veterano de milícia que é diretor de treinamento no acampamento da FLN, força de libertação da região norte, um dos três maiores grupos milicianos locais.
"O inimigo está se implantando. Estamos com pressa, totalmente com pressa", continuou Malle, vestindo um uniforme abandonado pelo exército após a queda de Timbuctu.
Por mais improvável que seu sucesso possa parecer, dados os poucos rifles e metralhadoras em evidência, os líderes das milícias dizem estar cansados de esperar por um exército que não dá sinais de se mover.
"Vou usar meus poucos meios para partir na frente do exército", afirmou Ibrahim Issa Diallo, ex-soldado que chama a si mesmo de chefe militar do movimento "Ganda Iso", ou "Filhos da Terra".
"Nosso objetivo é libertar o norte a qualquer preço; não podemos abandonar nossos parentes", argumentou Diallo. "Os islamistas estão casando nossas filhas."
Do lado de fora, num campo pertencente ao governo e vigiado por jovens com rifles, centenas de homens estavam sentados ou deitados em esteiras de junco. Há 4 mil deles, garantiu Diallo, todos esperando para enfrentar os islamistas.
Os obstáculos parecem quase intransponíveis. Os islamistas desbarataram o exército malinês em combates anteriores, mas, no acampamento da FLN, apenas 10 metralhadoras estavam montadas no chão: a soma total do armamento do grupo. Fatoumata Toure, de 23 anos e vinda de Niafunke, cidade dominada pelos islamistas perto de Timbuctu, segurava uma delas com insegurança. Ela nunca havia empunhado um rifle antes de chegar ao acampamento.
Mesmo assim, ela diz que "nunca" aceitaria a presença do grupo islamista Ansar Dine que se apossou da região. "Este é o nosso país", explicou ela. "Os costumes deles não são os nossos."
Bem distantes da estrada principal, os campos de treinamento são escondidos perto deste movimentado porto fluvial, importante ponto de remessa para suprimentos de ajuda às populações famintas do norte ocupado pelos islamistas. Esta cidade é o último centro populacional ainda comandado pelo governo antes da linha divisória.
Mas Mopti, com cerca de 100 mil habitantes, é tranquila. Pouco acontece nesta capital administrativa na confluência dos rios Níger e Bani - que já foi uma porta de entrada para um grande destino turístico, Dogon - para sugerir a magnitude dessa crise nacional.
Os islamistas estão a apenas 45 minutos daqui, mas o mercado fica cheio de mulheres comprando e vendendo vegetais. Em Timbuctu, 290 quilômetros estrada acima, os islamistas proibiram as mulheres de ir ao mercado desacompanhadas, ou de caminhar sozinhas pelas ruas. Mas muitas mulheres enchem as ruas de Mopti, e donas de casa lavam roupa na margem do rio diariamente.
Em frente à grande mesquita de tijolos de Mopti, o muezim, Sekou Badal Toure, pronunciava-se contra os jihadistas destruidores de monumentos. Mas "tudo é calmo por aqui", disse ele. "Aqui, não estamos ligados aos territórios ocupados."
Em Mopti, há poucas barreiras militares e homens uniformizados não são vistos com frequência. Nas ruas, moradores expressavam confiança de que o exército protegeria Mopti dos islamistas - apesar de sua derrota em outras cidades.
Em visita, um prefeito da zona ocupada mostrou espanto pela ausência de uma atmosfera de crise nesta cidade amigavelmente sonolenta. "Eles não percebem que todo seu modo de vida está em risco", afirmou Mahamadou Almou Toure, prefeito de Bourem-Sidi Amar, hoje controlada pelo Ansar Dine.
Um dos poucos sinais locais do desmembramento de Mali são os sacos de arroz e caixas de óleo, fornecidos pela ONU e destinados a Timbuctu, sendo carregados nos barcos do porto. Os pilotos do rio entram e saem dos territórios ocupados frequentemente, levando passageiros e suprimentos, e dizem que os islamistas não tentam interferir - exceto pelas rigorosas revistas por armas.
As forças de Dacko não penetram além da bucólica aldeia de Konna, um pouco à frente na estrada. "Por motivos operacionais, eu não saio daqui", explicou o coronel, observando as tranquilas pastagens, sem oferecer mais detalhes. "Este é o limite de nossas forças, bem aqui, exatamente."
Posicionado aqui desde a queda de Gao, no fim de março, Dacko disse que seus homens não haviam enfrentado nenhum islamista na região. As únicas barbas à vista são as dos nos bodes. Ele garantiu que os "preparativos" para uma nova ofensiva estão em andamento desde então, e culpa alternadamente brigas políticas na capital, a falta de armamentos adequados e o moral incerto de seus homens por ainda não ter atacado o inimigo.
Em Konna, o clima entre seus homens era alegre. Um oficial brincava sobre a ausência de cerveja. Mas a atmosfera era muito diferente nos campos milicianos.
"Ataque! Agarre a faca dele!", gritava o instrutor de um acampamento da FLN, enquanto dois jovens lutavam desajeitadamente com varas de madeira. No acampamento vizinho, chamado "Ganda Koy" (ou "Senhores da Terra"), centenas de homens franzinos se amontoavam no chão, comendo arroz de uma tigela comunitária antes da próxima sessão de treinamento.
"É uma meta que temos aqui, lutar por nossos pais que ainda estão presos lá", afirmou Attaher Ag Ibrahim, estudante de 21 anos de Timbuctu que fugiu quando os islamistas começaram a destruir os túmulos sagrados da cidade.
"Existem coisas acontecendo por lá de que não gostamos, nem um pouco", concluiu ele.
New York Times
Milícias de Mali: sem armas, mas confiantes contra islamistas
Mesmo com pouco treinamento militar, jovens recrutas mantêm a esperança de libertar sua terra natal
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