No quarto dia da série sobre a crise na Europa, o dolce far niente perdeu a doçura e hoje amarga a vida dos italianos.
Paola Pronzato vive em um colina perto da cidade de Viareggio, na região da Toscana, conhecida por sua indústria naval. Todos os dias, agradece por contar com o apoio financeiro da mãe aposentada e da irmã jornalista. Assim como milhares de italianos, Paola sofre no dia a dia os sintomas da crise econômica do país.
- A editora para a qual trabalho como secretária perdeu muitos clientes, e alguns funcionários foram mandados para casa. Tivemos horas de trabalho e salários reduzidos - conta Paola, que agora complementa a renda como faxineira.
Mãe de dois adolescentes e recém-separada do marido que não lhe dá pensão alimentícia, Paola recebe o seguro-desemprego há mais de um ano.
A jovem Jessica Laveni, 20 anos, de Milão, enfrenta problemas semelhantes. Depois de um frustrado vestibular para o curso de design, decidiu que era hora de trabalhar. Mas o sonho do primeiro contrato de trabalho ainda não se realizou. Estágios não remunerados e contratos temporários são os únicos resultados no currículo da jovem.
- Gostaria de trabalhar na área do design, mas agora estou disposta a aceitar qualquer outra coisa, como vendedora de loja e até caixa de supermercado. Melhor do que ficar em casa sem fazer nada - afirma Jessica.
É difícil retomar a credibilidade
Em um país onde o ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi dava sua benção em público a quem sonegava impostos, é de se esperar que tal prática seja comum entre os italianos. Muitos deles se orgulhavam de burlar o sistema fiscal. Esse tipo de prática de alguns cidadãos ajudou de alguma forma a criar uma situação que hoje abala a vida de Paola e Jessica.
As autoridades fiscais da Itália afirmam que o país perde cerca de US$ 15 bilhões por ano em receitas não declaradas, ou seja 17,5% do Produto Interno Bruto (PIB) é sonegado. Esse é o terceiro maior índice da Europa, atrás somente de Malta e Grécia.
- A sonegação é um grande problema na Itália. Mas a crise se deve sobretudo à perda de confiança e credibilidade do país no mercado internacional. Infelizmente, assim como na vida, a traição pode durar um segundo, mas reconquistar a confiança requer muito tempo - diz o vice-diretor da revista econômica Il Mondo, Fabio de Rossi.
Para resolver o problema da crise, o atual primeiro-ministro, Mario Monti, lançou um pacote de austeridade fiscal de 30 bilhões de euros, aprovado pelo Senado no fim do ano passado. As novas medidas permitem que o fisco vasculhe as contas bancárias dos italianos para confirmar o valor dos depósitos está de acordo com a renda declarada.
E os ajustes não param aí: revisão da idade para aposentadoria, liberalização dos preços de alguns setores, horário flexível para o comércio, venda de alguns medicamentos em supermercados, entre outras medidas.
A Itália que sonega impostos, não paga taxas e trabalha informalmente também tem medo de acabar como a vizinha Grécia. O que não se explica, para muitos, são algumas anomalias dessa sociedade.
Segundo o fisco, quase metade dos barcos com mais de 10,7 metros pertencem a pessoas que declaram renda inferior a 26 mil euros (R$ 58,6 mil) ao ano. Os donos de 604 aviões particulares declaram rendas anuais entre 26 mil e 65 mil euros (R$ 146,5 mil).
*Paulistana, a jornalista Fernanda Massarotto, 42 anos, mora há oito anos em Milão. Escreve sobre futebol, design, moda, turismo e economia
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