O diretor-geral do Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer), Luciano Faustino, determinou a abertura de sindicância para apurar possíveis falhas na prestação de serviços da empresa Sinarodo Sinalizadora Rodoviária nas obras de duplicação da RS-118, na região metropolitana de Porto Alegre. Também será averiguada a atuação de servidores públicos do departamento que fiscalizam a execução dos trabalhos e autorizam os pagamentos.
A decisão foi anunciada após a reportagem de GZH ter enviado ao Daer oito questionamentos sobre a instalação de defensas metálicas enferrujadas às margens da rodovia, cuja duplicação foi inaugurada em dezembro de 2020, enquanto a contratação previa a colocação de dispositivos novos pela Sinarodo.
A empresa, em nota, afirmou que os materiais utilizados estão de acordo com as normas técnicas do Daer e assegurou que “não se omitirá de executar qualquer correção que a fiscalização ou a sindicância apontarem” (veja contraponto na íntegra ao final).
Por 4.058 metros dessas estruturas, que deveriam ser todas de primeira mão, o Daer já pagou R$ 604,2 mil à empresa. E ainda há mais defensas — cujo objetivo é absorver o impacto de veículos desgovernados — para serem instaladas na rodovia.
À beira da estrada, é possível verificar que as costas das defensas metálicas estão com ferrugem espalhada por diversos pontos. A degradação trouxe coloração escura às peças, e as emendas entre as defensas mostram que algumas estão mais desgastadas do que as outras, indicativo de que nem todas têm o mesmo tempo de uso. Faustino informou que os dispositivos foram contratados como chapas de aço galvanizadas novas.
Já as faces das estruturas que ficam de frente para a rodovia, visíveis aos motoristas, estão com aspecto diferente: receberam pintura cinza metálico que sobrepôs eventuais ferrugens como as que estão expostas na parte de trás. A tinta respingada no solo, na vegetação e nas pedras, à beira da rodovia, indica que a pintura pode ter sido feita no campo de obra. Nas defensas, alguns pontos apresentam tinta escorrida.
Doutor em Transportes pelas UFRGS e membro da Sociedade de Engenharia do Rio Grande do Sul (Sergs), João Fortini Albano analisou imagens das estruturas colocadas entre os quilômetros 8 e 9 da RS-118, trecho que envolve Cachoeirinha, Gravataí e Sapucaia do Sul, e avaliou que são dispositivos envelhecidos.
— As imagens são claras. As defensas utilizadas não são novas, apresentam ferrugens características — diz Albano.
Ele ressalta que os “apoios”, peças encravadas no solo em que as defensas são afixadas, “parecem ser novos”. De fato, observados lado a lado, as chapas e os apoios demonstram estágios diferentes de degradação.
Sobre a parte frontal das estruturas apresentar um aspecto metálico que difere das degradações das costas, o engenheiro Albano avaliou que pode ter sido feita uma “maquiagem” nas peças.
Questionado pela reportagem, o Daer não soube precisar a data em que as defensas foram instaladas pela Sinarodo nos quilômetros 8 e 9 da RS-118. O departamento disse que isso será alvo de apuração na sindicância. Informações extra-oficiais indicam que o serviço teria ocorrido pouco antes da inauguração da duplicação da rodovia, em dezembro de 2020.
Mesmo com as visíveis ferrugens e degradação das peças, um servidor do Daer, lotado na Superintendência de Esteio, designado como fiscal do contrato da Sinarodo, atestou positivamente a instalação das defensas metálicas nas atas de medição, permitindo que fossem feitos os pagamentos à empresa. A aprovação do serviço executado também passou pelo crivo de uma empresa que é contratada pelo Daer para auxiliar na fiscalização e medição de obras.
Sindicância pode requerer substituição das chapas
A sindicância que irá analisar a instalação das defensas com ferrugem será integrada por três engenheiros de fora da Superintendência de Esteio do Daer, unidade que ficou responsável pela medição dos serviços na RS-118. O diretor-geral Luciano Faustino informou que o grupo terá 30 dias para iniciar seus trabalhos e, depois, mais 30 para finalizar as apurações.
— Ao final do processo, vai ser gerado um relatório. Ele vai descrever o que precisa ser efetuado. O mínimo a acontecer é a substituição de um elemento que não atende ao objeto. Em um segundo momento, será avaliado, através das cláusulas contratuais, que tipo de penalidade isso pode gerar para a empresa, se for o caso — afirma Faustino, indicando a hipótese de troca dos dispositivos enferrujados por novos.
O relatório da comissão fará recomendações e a direção-geral do Daer, em conjunto com o setor jurídico, irá decidir os itens a serem exigidos da empresa.
O diretor-geral explicou ainda o motivo de ter optado pela sindicância. Quando o departamento recebeu as perguntas da reportagem, foi aberto um procedimento administrativo para indagar a Superintendência de Esteio sobre a qualidade das chapas instaladas, mas a resposta do setor não adentrou no mérito, limitando-se a entregar levantamento com as metragens, os serviços executados e os valores investidos.
— Não tivemos retorno com relação a isso (qualidade das defensas). Por isso, nomeamos a comissão independente. A empresa vai ter de apresentar, por exemplo, as notas fiscais que comprovam a aquisição das chapas metálicas para a confecção de todas as defensas utilizadas — diz Faustino.
Ele assegurou que “o contrato da empresa é específico para (a instalação de) elementos novos”. O diretor-geral ainda destacou que é contratualmente possível cobrar providências, caso elas se mostrem necessárias ao longo da sindicância.
— O contrato com a Sinarodo está em andamento. E, enquanto ele estiver em andamento, as medições mensais são denominadas provisórias. Ou seja, os serviços já feitos e pagos, continuam sob responsabilidade da empresa e qualquer eventual correção tem de ser executada pela contratada sem custos ao Daer. Se isso não for cumprido, podemos acionar as cláusulas contratuais — assegura.
O contrato
— A Sinarodo foi contratada pelo Daer para prestar serviços na obra de duplicação da RS-118 via licitação. O contrato foi assinado em 23 de abril de 2018.
— Em 3 de abril de 2020, o Conselho de Administração do Daer incluiu o contrato da Sinarodo entre os contemplados pela “excepcionalização de pagamento”. Isso significa passar a empresa na frente da fila de pagamento pelos serviços executados. A justificativa foi o interesse público representado pela duplicação da RS-118.
— Um termo aditivo de junho de 2020 prorrogou o vencimento do prazo para execução dos serviços até o dia 31 de janeiro de 2021. O Daer confirma que uma nova extensão terá de ser feita para que a Sinarodo execute os serviços restantes.
— O contrato, inicialmente, tinha prazo de execução de 365 dias. A previsão é de que a Sinarodo preste serviços de sinalização rodoviária entre o km 5 e o km 21,5 da estrada.
— O valor total do contrato é de R$ 5,9 milhões, envolvendo todos os itens de sinalização de uma rodovia: pintura horizontal na pista, instalação de equipamentos de condução ótica, como os tachões reflexivos, placas e defensas metálicas.
— Até o momento, a Sinarodo instalou 4.058 metros de defensas metálicas. Pelo serviço, recebeu pagamento de R$ 604,2 mil do Daer. O contrato prevê que a Sinarodo irá colocar, no total, 8.384 metros de defensas na rodovia.
— Apesar de a duplicação da RS-118 ter sido inaugurada em dezembro de 2020, ainda há serviços a serem feitos por empresas contratadas para atuar na pavimentação e na sinalização. As chamadas obras complementares, basicamente, referem-se a prolongamentos de ruas laterais e construção de alças de acesso a viadutos. Nestas intervenções, a Sinarodo tem serviços contratuais por executar.
CONTRAPONTO
O que diz a Sinarodo, em nota assinada pela sua direção técnica:
“O contrato prevê aproximadamente 8.000 metros de defensa, até o momento foram instaladas em torno de 4.000 metros de defensa. O contrato teve início em 2018 e, desde então, estamos executando a sinalização de todo trecho (sinalização vertical, horizontal e demais). Todas as defensas implantadas até o momento estão de acordo com as normas técnicas e especificações do Daer.
Cabe ressaltar que durante esse período, a empresa tem contribuído na reposição e realocação de defensas furtadas e abalroadas durante toda a obra e essa reposição geralmente é efetivada com defensas realocadas do próprio trecho, sempre priorizando os pontos mais críticos com vistas à segurança do usuário. Esses serviços estão sendo efetivados conforme demanda da fiscalização até a presente data, sempre que necessário, sem nenhum custo adicional ao órgão.
A ERS-118 tem uma complexidade de execução, onde os serviços estão sendo prestados com a obra em andamento, sempre lembrando que a necessidade operacional em fase de obras a circulação dos veículos foi mantida para garantir a continuidade e conclusão da obra. Devido à iminência de liberações e inaugurações, a empresa trabalhou no realinhamento e revitalização de defensas já instaladas anteriormente.
Cabe ressaltar que o contrato está em andamento e a empresa não se omitirá de executar qualquer correção que a fiscalização ou sindicância apontar, prática comum ao contrato com essa natureza.
Todos os contratos de engenharia são obrigados a passar por duas comissões de recebimento definitivo da obra. Somente a partir da aprovação desta comissão que o contrato se dará como encerrado”.