Há mais de três décadas, Rovanir Salton, 46 anos, cria suínos e produz leite na Linha Alegre, no interior de Capitão — atividades que constituem um dos principais motores econômicos do Vale do Taquari. Com os eventos climáticos extremos de abril e maio de 2024, porém, Salton sofreu um revés, assim como outros produtores rurais da região. Embora o município não tenha sido diretamente afetado pela enchente, o volume anormal de água causou queda de pontes e destruição de estradas na região, o que afetou a produção e o escoamento.
— Quando veio essa enchente, foi uma coisa que nos deixou sem chão, porque ficamos sem acesso, sem nada, não tinha luz, telefone — recorda o produtor.
Foram 22 dias sem energia. O trabalho, que era automatizado, teve de ser executado manualmente. O leite ordenhado era posto fora. Sem acessos, o produtor buscava ração para os suínos na estrada e a levava nas costas para distribuir aos porcos. Salton e sua mãe, de 69 anos, trabalhavam o dia todo para conseguir manter a propriedade.
Para restabelecer a mobilidade, foram instaladas passagens provisórias e, posteriormente, molhadas — e o cenário na região foi, aos poucos, melhorando. As condições precárias, contudo, ainda dificultavam o trânsito de grandes caminhões.
Somente em março de 2025, quase um ano após os eventos extremos, a situação voltou à normalidade: os moradores tiveram a vida facilitada com a instalação de pontes permanentes. A ação foi promovida pela iniciativa privada e contou com a contribuição de empresas como Randoncorp, Gerdau, ArcelorMittal, JB Engenharia, do programa Reconstrói RS (da Federasul, do Instituto Ling e do Instituto Cultural Floresta), entre outros.
Além da ponte erguida na divisa de Arroio do Meio com Encantado, no acesso que leva a Capitão, outras 10 foram reconstruídas em Anta Gorda, Arroio do Meio, Coqueiro Baixo, Doutor Ricardo, Encantado, Ilópolis, Pouso Novo, Putinga, Relvado, Travesseiro e Santa Tereza.
Está bem mais fácil agora. A ponte que fizeram ali ficou muito boa. Bem feitinha e bem mais alta, passa bastante água agora, bem diferente daquela que tinha. Como estava antes, a gente não sabia o que ia acontecer. Nessa semana, deu aquela pancada de chuva, 150 milímetros. Eu acho que se não tivesse aquela ponte, ia passar por cima de novo das galerias e impedir a passagem.
ROVANIR SALTON
Produtor de Linha Alegre, interior de Capitão, no Vale do Taquari
Impacto em pequenos e grandes negócios
Os alimentos produzidos por Salton e outros produtores são fornecidos para empresas como a Dália Alimentos, de Encantado, cujo negócio também sentiu o impacto da perda de mobilidade. Com 3 mil funcionários, a cooperativa ficou cerca de um mês parada, imersa em um cenário de caos na região.
Sem receita e com as contas vencendo, a Dália acumulou prejuízos — que estão sendo superados por meio da força e da resiliência da região para a reconstrução, segundo Gilberto Piccinini, presidente da cooperativa e vice-diretor da Câmara da Indústria, Comércio e Serviços do Vale do Taquari. Ambas entidades se envolveram na iniciativa das pontes, que, agora, impacta positivamente moradores e negócios da região.
Graças a Deus, chegamos ao momento agora de ter as pontes. São de fundamental importância para, novamente, estabelecer a ligação de caminhões, ônibus, kombis escolares, que fazem essa movimentação.
GILBERTO PICCININI
Presidente da Dália Alimentos
Mobilização da iniciativa privada
Em meio a perdas de conexões, que isolaram comunidades e geraram impactos nos negócios locais, havia o sentimento de que era possível e necessário ajudar, lembra Joarez Piccinini, diretor de Relações Institucionais da Randoncorp e presidente do Conselho do Banco Randon. A empresa assumiu a responsabilidade de coordenar a iniciativa.
Restabelecer a logística era prioridade para a mobilidade, produção de alimentos e acesso à saúde. Pensando nisso, o objetivo dos empresários foi mobilizar um movimento, junto a entidades e lideranças da região, para retomar as ligações nos pontos mais importantes, com orientação das prefeituras e negócios.
Para isso, a empresa mergulhou em sua expertise e história de mais de 70 anos de atividades voltadas à produção de autopeças e ao transporte. Apesar dos desafios, as pontes foram finalizadas em março.
Nós entendemos que seria importante estabelecer as conexões das comunidades. Imaginávamos que seria de grande relevância, mas fomos perceber o tanto que aquilo representou para as pessoas na inauguração. Estamos muito satisfeitos, muito felizes com o que fizemos, todo o trabalho e a dedicação valeram muito.
JOAREZ PICCININI
Diretor de Relações Institucionais da Randoncorp
O apoio à recuperação da infraestrutura rodoviária é uma das frentes de atuação que têm norteado as iniciativas da Randoncorp na reconstrução do RS. A governança guiou a conduta ao longo de todo o processo, conforme Joarez — da prestação de contas à preocupação com a participação e apoio de entidades e órgãos públicos representativos da região, para garantir validação e conexão com a sociedade.
Posicionamento deve ser genuíno e responsável
Iniciativas como essa estão alinhadas ao papel da governança — uma das práticas da agenda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Vão além de um olhar interno, por meio de compromissos assumidos com a sociedade e de posicionamentos, aponta Paola Figueiró, professora da Universidade Feevale e especialista em ESG.
— As empresas têm um papel fundamental nessa resposta aos impactos das mudanças climáticas, nessa contribuição para a resiliência das comunidades, especialmente nos lugares em que estão inseridas. Para mim, elas não só podem, como devem agir de forma prática, imediata, porque tem uma questão de urgência em determinados momentos. Vai envolver infraestrutura, por exemplo, questão de rodovias, pontes, escolas, muito em uma união entre governo e iniciativa privada — afirma.
Esse papel inclui ouvir a comunidade e se aproximar de lideranças. Os negócios também possuem capacidade de apoio à economia local e de promover qualificação profissional para a continuidade de geração de renda, empregabilidade e retomada. Além disso, as iniciativas devem ultrapassar os muros da empresa, mas sem esquecer de quem está dentro.
As ações fazem a diferença e podem ser monitoradas, reportadas e divulgadas. Trata-se de uma oportunidade de alinhamento entre discurso e prática, salienta Paola — sem ter como objetivo, porém, a visibilidade, e sim a promoção de um posicionamento real e genuíno, assumindo um papel de responsabilidade que, naturalmente, trará benefícios.
Tem um olhar de posicionamento de mercado, que podemos falar, mas, na verdade, esse esforço coletivo está voltado para uma cultura empresarial mais humana, mais transparente, mais responsável. Isso tem tudo a ver com os princípios da governança.
PAOLA FIGUEIRÓ
Professora da Feevale e especialista em ESG
Há um movimento cada vez mais atento ao apelo social. Esse posicionamento se torna um diferencial competitivo, ao aumentar a confiança do mercado, reforçar a reputação da marca, fortalecer a legitimidade e aumentar o engajamento — questões alinhadas à geração de valor de longo prazo e continuidade, premissas de ESG.