
Desde 2019, a Fruki Bebidas está sob a liderança de uma mulher. Trata-se de Aline Eggers Bagatini, filha do ex-presidente Nelson Eggers. Ela assumiu a chefia em sucessão ao pai, tornando-se a primeira mulher a ocupar o cargo máximo da empresa.
Em outro pioneirismo, Aline foi a primeira mulher à frente da Associação Comercial e Industrial de Lajeado (Acil), sendo eleita ao cargo em 2018. A líder é formada em Administração de Empresas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e pós-graduada em Finanças e Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Prestes a completar, em abril, seis anos à frente da Fruki, Aline comenta sobre sua gestão e avalia os benefícios que a liderança feminina pode trazer às organizações. Na entrevista concedida a Zero Hora, a CEO ainda analisa o panorama do acesso das mulheres a posições de chefia e aponta caminhos para ampliação.
Você assumiu a presidência da Fruki em sucessão ao seu pai, mas, ao olharmos para o mercado, vemos que ainda é comum herdeiras mulheres serem preteridas nas linhas de sucessão. Como foi a sua experiência e como analisa esse cenário?
Meu pai sempre incentivou que eu me envolvesse nas mais diversas frentes e fortalecesse a minha liderança dentro da Fruki. Isso foi acontecendo naturalmente, ao longo de toda a minha caminhada na empresa. Eu já vinha sendo reconhecida internamente como uma líder, então, quando assumi como CEO, não houve resistência. Pelo contrário, fui muito acolhida e celebrada. Mas entendo que, em muitas organizações, a sucessão é automaticamente direcionada ao filho homem ou a algum associado homem. Ainda há uma certa resistência às lideranças femininas no mercado, em razão do preconceito, mas também está crescendo o número de mulheres que já assumiram postos de liderança ou que estão se encaminhando para. Eu fico muito feliz e acho que devemos valorizar isso.
Por que as empresas devem incentivar o acesso das mulheres a cargos de liderança?
As mulheres trazem uma contribuição incrível para a gestão e a governança. O perfil feminino tem muito a ver com valores como a empatia e a valorização das pessoas, então, as mulheres tendem a humanizar as relações. Isso traz inúmeros benefícios ao ambiente organizacional. Aqui na Fruki, por exemplo, a gente percebe que estão cada vez mais fortes a união, o espírito de equipe e o engajamento das pessoas. Há um entendimento de que estamos todos juntos, cada um fazendo a sua parte, unidos pelo mesmo objetivo. Acredito que isso é construído pelo olhar da liderança feminina.
Uma líder mulher tende a ter o olhar mais atento também às demandas das colaboradoras mulheres?
Acredito que sim. Aqui na Fruki, nós temos muitas mulheres ocupando posições de gestão, espalhadas pelas mais variadas áreas, e isso faz uma diferença enorme. As líderes têm um olhar muito compreensivo para as necessidades das pessoas, o que impacta, inclusive, os colaboradores homens. Por exemplo: nós, mulheres, entendemos como é importante ter uma rede de apoio, uma retaguarda na criação dos filhos, então, quando um colaborador homem diz que precisa sair mais cedo para levar o filho no médico, a líder vai receber essa demanda com naturalidade, porque ela sabe que levar os filhos no médico também é função do pai e sabe que isso vai ser importante para a companheira dele, que precisa dessa divisão de responsabilidades para também poder crescer no seu respectivo trabalho.
Qual seria o caminho para ampliarmos a presença das mulheres nessas posições?
São muitas as histórias de mulheres assumindo empresas e tendo sucesso em suas empreitadas. Devemos dar visibilidade a esses cases de sucesso que temos, difundindo o bom trabalho que mulheres líderes vêm fazendo em diversas organizações. Isso incentiva outras mulheres e ajuda a mudar a cultura de empresas mais fechadas, para que mudem de pensamento e abram oportunidades.
Que desafios acompanham a jornada de uma líder mulher? Você, por exemplo, é CEO, esposa e mãe.
Não é uma jornada fácil, mas devemos aprender a equilibrar nossos papéis e entender que não precisamos dar conta de tudo sozinhas. Para conseguir crescer profissionalmente e assumir novos desafios, é fundamental ter com quem dividir as responsabilidades familiares. Mas entender que as responsabilidades podem ser divididas também é um processo. Por muito tempo eu me cobrava para ser a melhor mãe, a melhor esposa, a melhor profissional, a melhor líder de entidade, enfim, a melhor em tudo o que eu fazia, até perceber que estava me cobrando em excesso. Li um artigo de uma empresária americana que falava sobre o momento em que ela resolveu ser 70% em tudo, não mais 100%. Aquilo soou tão estranho para mim, mas ao mesmo tempo foi libertador, porque me fez entender que a nossa régua não precisa ser a da perfeição. Não significa que você não vai entregar como antes ou que deixará de ser boa, é mais sobre não se cobrar tanto e entender que está tudo bem em equilibrar as coisas.
Agora, como presidente da empresa, você ainda consegue manter esse equilíbrio?
Sim. Eu priorizo muito os momentos com a minha família e os meus momentos de lazer, e faço questão de que todos na Fruki também oportunidade de priorizar esses aspectos das suas vidas. Inclusive, foi meu pai quem me ensinou sobre a importância disso. Logo que comecei a trabalhar na Fruki, eu marquei uma reunião às cinco horas da tarde. Quando deu cinco e meia, o pai levantou e disse que estava indo embora, porque precisava ir para a academia, jogar tênis e terminar o livro que estava lendo. Fiquei incrédula com aquilo (risos). Ele me disse que trabalho era em horário comercial e que os outros compromissos que tinha eram igualmente importantes. Foi um baque para mim, porque eu estava acostumada a trabalhar sem horário nenhum, vinha de experiências anteriores que eram totalmente opostas a isso. Foi com ele que aprendi que precisamos fazer outras coisas além do trabalho, inclusive para que tenhamos disposição e vontade de trabalhar no dia seguinte. Essa é uma filosofia que eu adotei para mim e para a Fruki. A gente quer que as pessoas saiam da empresa com tempo para cuidar de si e das suas famílias, ler, estudar, buscar conhecimento e fazerem aquilo que é importante para elas. A boa governança passa também por isso.
Além da importância do equilíbrio, que outras dicas você dá às mulheres que almejam ocupar um cargo de liderança?
O primeiro passo é exercitar essa liderança. Isso é algo que se constrói no dia a dia, através do cuidado com as pessoas, da motivação e do senso de responsabilidade pelo negócio. A liderança se manifesta em qualquer posição e em todos os momentos, portanto, não é preciso esperar uma promoção formal para mostrar que tem o perfil de líder. Também acho importante que as mulheres procurem se inserir em espaços que podem contribuir para essa caminhada, como entidades e conselhos. Isso fez total diferença na minha trajetória. Sempre me envolvi em entidades e iniciativas das mais diversas frentes, o que possibilitou que eu construísse relações com diferentes setores, trocasse experiências enriquecedoras e começasse a ser reconhecida como uma líder. Mas, para isso, também é preciso ter proatividade, demonstrar interesse e se colocar à disposição, não ficar só esperando o convite.
O que um bom líder, homem ou mulher, precisa ter?
Para ser líder é preciso saber cuidar das pessoas. O bom líder é aquele que está atento às necessidades da sua equipe, que sabe ouvir, que se preocupa com como as pessoas estão. Acho que as mulheres têm esse feeling mais aflorado, mas é algo necessário a qualquer líder, pois só assim se consegue formar um time.