Confinada entre o Rio Taquari e os morros que formam o Vale, a cidade de Roca Sales não fala mais apenas em reconstrução, mas também em realocação após ser castigada por quatro grandes enchentes desde setembro de 2023. Em maio deste ano, por duas vezes as águas voltaram a invadir o Centro da cidade e derrubar casas que resistiram aos últimos eventos climáticos.
Nas partes altas e no interior, onde o rio não alcançou, deslizamentos de terra provocaram mortes e ainda deixam desaparecidos. Somente uma família teve seis pessoas soterradas — uma foi encontrada morta e outras cinco seguem desaparecidas.
Presidente da Câmara de Indústria e Comércio de Roca Sales e representante da Defesa Civil, Cléber Fernando dos Santos aponta que duas áreas a cerca de três quilômetros do atual centro da cidade são avaliadas.
— A gente busca duas áreas de terra para poder fazer a reconstrução, principalmente da parte comercial, os nossos lojistas, as empresas também. A gente está buscando uma realocação e pensando também em toda a questão de estrutura de logística, estrutura de iluminação, sistema de esgoto e questões de licenças ambientais, porque muitas dessas empresas precisam de licenças ambientais — afirmou.
A área industrial e comercial seria dividida de uma segunda área, com foco em habitação. Segundo Cleber, os terrenos são de propriedade particular, mas o município está em processo de compra e até de desapropriação para poder lotear e repassar aos moradores e comerciantes que seriam removidos da área central.
Desgastados pela sequência de desastres em poucos meses, moradores e comerciantes enxergam com bons olhos a iniciativa. Alguns, por conta própria, já começaram a construir e buscar espaços em outros lugares após as perdas recentes.
— Se tivesse como fazer isso, seria uma boa mesmo. Aqui nós com 20, 23 metros já começa (a água) a pegar na fruteira. Assim que atravessa a estrada já pega pra cá, fica ilhado. Em setembro a gente nem conseguiu sair da fruteira, ficamos ilhados — disse Volnei Terras, que trabalha em uma fruteira com a irmã em um dos pontos mais próximos ao rio.
O próprio Cleber, que defende a iniciativa de mudança, iniciou a construção de um novo espaço para sua empresa em uma área mais elevada.
Melhoria na estrada
Desde que a ponte sobre o Rio Forqueta, entre Lajeado e Arroio do Meio, caiu no início de maio, o acesso às demais cidades do Vale do Taquari passa por dentro de Colinas e Roca Sales, através da RS-129. A estrada, em péssimas condições e com trechos de chão batido, passou a ser ainda mais danificada pelo fluxo constante de caminhões e cargas pesadas, não só dos veículos de frete, como de ajuda humanitária.
Para manter o mínimo de conservação, diariamente a estrada é bloqueada em horários da manhã e tarde para serviços emergenciais. Mesmo assim, a lama que se acumula e os buracos dificultam a rotina dos motoristas. A isso se somam pontos em que houve queda de barreira e desvios são necessários.
Na manhã desta segunda-feira (27), dois tratores puxavam um caminhão que saía carregado de porcos de uma propriedade rural. Conforme o produtor de suínos Sander Nietiedt, que operava um dos tratores, o bloqueio da RS-130 e as más condições da RS-129 impedem que mantimentos cheguem e que as produções escoem.
— Antes carregava os bitruck normal (caminhão com maior capacidade de carga). Encostava e carregava. E agora, como vai pra fora do Estado, precisa ser carreta pra valer o frete, tudo é um agravo. A gente tem recurso, tem trator pra puxar, senão não dá pra carregar — avaliou.
Como o frigorífico responsável pelo abate dos suínos parou por 30 dias e as cargas saem com maior dificuldade, Sander conta que há um excesso de animais no campo e que a chegada de ração é escassa.
— Tem vezes que demora dois dias pra vir, tem vez que demora um dia. Em geral vem porque eu tô perto da empresa, mas tem gente que ficou 20 dias sem ração. A qualidade na ração já está baixa, falta produtos pra eles (fábrica), complemento, para formular a ração — disse o agricultor.
Além das cargas vivas, o transporte de produtos perecíveis é mais um desafio que pesa na ponta, no bolso do consumidor. Responsável por buscar em Caxias do Sul as frutas e verduras, Volnei Terras viaja três vezes por semana.
— Agora que deu uma esfriada, mas se é muito calor acaba estragando muito fácil. A gente tinha câmara fria, mas pegou água e caiu, quebrou, roubaram o motor. Aquilo ajudaria pra conservar. Não consigo pegar muita quantidade, se não dá muita perda — disse o caminhoneiro.
Para evitar repassar a totalidade dos custos, a fruteira afirma que reduziu a margem de lucro.
Para deixar de depender exclusivamente da RS-130 — que não deve ter acesso à BR-386 por pelo menos seis meses - o município se mobiliza para conseguir asfaltar a RS-129 e futuramente até duplicar.
— Hoje a principal artéria do Vale do Taquari é a RS-129, que passa por dentro de Roca Sales. Todos os municípios que estão acima dependem diretamente do nosso acesso. A produção do vale passa por dentro de Roca Sales — justificou Cleber Fernando.
Uma parte do trecho urbano da RS-129 que passa sobre um braço canalizado do Taquari também deve receber uma ponte elevada. Nas enchentes, o local foi destruído pela água e dividiu a cidade em duas partes.