Até é possível chegar a Porto Alegre desde o coração do Rio Grande do Sul, mas a que custo? Duas equipes de reportagem de GZH gastaram três vezes mais tempo do que o normal para percorrer, com dificuldade, um trajeto que costuma ser feito sem sobressaltos: da confluência dos vales do Rio Pardo e Taquari até a Capital. A via-crúcis inclui driblar transtornos diversos (por alagamento, desmoronamento ou desvios recomendados pelas polícias), enfrentar congestionamentos de tráfego intensos e trechos em que só veículos de uma pista podem avançar por vez (sistema pare e siga).
A equipe que cobriu as enchentes no Vale do Rio Pardo — composta por este repórter, pelo jornalista Ian Tâmbara, pelo repórter fotográfico Jonathan Heckler e pelo motorista Cristopher Mucillo — deixou Santa Cruz do Sul às 7h desta terça-feira (7). O usual seria pegar a RS-287 até Tabaí, às margens da BR-386, e dali ir até Porto Alegre. Mas três trechos daquela RS foram arrancados pelas águas da enxurrada da semana passada.
Então optamos por um desvio via Venâncio Aires, pela RS-453, até Lajeado, que estava isolada até 24 horas antes. Ali nos encontramos com outra equipe, que cobriu a tragédia no Vale do Taquari: o repórter Lucas Abati, o repórter fotográfico Jefferson Botega e o motorista Thomas Edison.
A alegria do reencontro foi sacudida pela dureza da realidade. A ponte dupla que separa Lajeado de Estrela sofreu erosões e teve asfalto arrancado pelo caudaloso Rio Taquari, mas consertos emergenciais feitos pelo Dnit conseguiram reabrir a travessia pelas águas, embora em um só lado da ponte. O resultado é que o tráfego entre as duas maiores cidades do Vale do Taquari está lentíssimo, em para e arranca. sem permitir sair da primeira marcha.
Passada a ponte, o trânsito engrena. Só que é preciso deixar a BR-386 alguns quilômetros adiante, porque ela continua alagada pela chuvarada. Logo após Tabaí, tivemos de ingressar na RS-287, rumo a Montenegro.
Em Montenegro, parte da pista da estrada estadual está erodida e aí a nossa caminhonete foi engolfada por sistema de pare-siga: mais de meia hora de espera para poder prosseguir viagem, numa fila indiana, imensa e lenta. Fomos até Portão e, dali, pegamos um desvio por uma outra estrada estadual, a RS-239, só que alternando paralelepípedos, chão batido e cascalho. Tudo para evitar o congestionamento e desvios na BR-116 (ligação Vale do Sinos-Porto Alegre), que está alagada em diversos pontos.
Do Paranhana ao Litoral
Como não podíamos ir do Vale do Sinos direto a Porto Alegre, fomos para o Vale do Paranhana, via RS-239. Percorremos com normalidade o trajeto entre Novo Hamburgo e Taquara e, de lá, ingressamos na RS-474 até a cidade litorânea de Santo Antônio da Patrulha.
Ufa, quase lá? Não. O trajeto natural seria ir de Santo Antônio da Patrulha para Porto Alegre, mas não há como ingressar na Capital pela freeway, por força de crateras nas diversas entradas da cidade. O único caminho possível é por Viamão. Só que...isso implicaria num trajeto de pelo menos quatro horas pela RS-118, entre essa cidade, Gravataí e Santo Antônio.
Optamos por uma alternativa mais rápida: mergulhamos no Litoral. Fomos a Osório, dali pegamos a RS-101 e fomos até Capivari do Sul. De lá, finalmente, fomos até Viamão pela RS-040. Essa estrada, a única que permite chegar a Porto Alegre, está mais do que congestionada: está entupida de veículos, nos dois sentidos. Sobretudo no sentido Capital-Litoral Norte, por motorista que desejam fugir das enchentes na Região Metropolitana. Isso em pleno meio de tarde. Nem conseguimos imaginar como seria num horário de pico (amanhecer ou anoitecer).
Alcançamos Porto Alegre às 16h em ponto, nove horas após deixar Santa Cruz do Sul. O normal seria fazer o percurso em duas horas. Num trajeto usual, a distância rodoviária entre Santa Cruz do Sul e a Capital soma cerca de 150 quilômetros.
Devido a quedas de barreira, alagamentos e pontes caídas, a reportagem percorreu 376 quilômetros, consumiu cerca de 50% a mais de combustível, de quilometragem e três vezes mais tempo que o usual. Para chegar numa cidade quase sem água potável e alagada. Ossos do ofício de repórter.