A CEEE Equatorial apresenta indicadores de eficiência piores do que o da concessionária paulista Enel, que se encontra sob ameaça de perder a concessão por meio da abertura de um processo na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a pedido do Ministério de Minas e Energia.
Em um ranking nacional que avalia dois parâmetros básicos de atendimento — as médias de duração e de frequência nas interrupções do fornecimento de energia —, a CEEE aparece em posição inferior à dos paulistas. Especialistas avaliam, porém, que uma comparação direta não é razão suficiente para justificar que a empresa gaúcha siga o mesmo caminho da Enel. O processo capaz de levar ao fim de uma concessão depende de circunstâncias específicas como o que cada contrato estabelece, o contexto operacional e os argumentos de defesa de cada companhia.
Na segunda-feira (2), o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou que as sucessivas interrupções no fornecimento de energia na área de São Paulo sob responsabilidade da Enel podem levar até ao cancelamento da concessão.
— Nos próximos meses, a empresa estará sob um processo de caducidade — declarou o ministro, antecipando a abertura de uma ação na Aneel.
Conforme um ex-integrante da cúpula da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs), que prefere não se identificar, a manifestação do ministro reflete, em parte, o peso político e econômico de uma região como São Paulo.
— Uma coisa é a fala do ministro, que é uma forma também de dar satisfação a uma base eleitoral muito grande. Os ouvidos de Brasília ficam sempre muito atentos ao que acontece lá. Outra coisa é o processo em si, longo, técnico e interno da Aneel. Não creio que, pragmaticamente, vá ocorrer muita coisa — complementa.
O governador do Estado, Eduardo Leite, determinou na terça-feira (2), a realização de um estudo para avaliar se o Piratini pede ao ministério que solicite a abertura de um processo equivalente envolvendo a CEEE Equatorial. A avaliação de especialistas consultados por GZH é de que, apesar de parte dos indicadores dos gaúchos ser até pior do que os dos paulistas, isso não garante, por si só, a abertura do processo ou um maior risco de perda da concessão caso seja iniciado.
— O que ocorre lá (São Paulo) não reflete o que pode ocorrer com a Equatorial. A possibilidade de caducidade da concessão existe para todas as concessionárias, mas cada empresa tem o seu contexto. Uma concessão nunca é vista de forma isolada: é preciso ver de onde ela veio, e a antiga CEEE, como estatal, foi uma base muito ruim para a Equatorial — avalia o advogado especializado em infraestrutura e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Luiz Gustavo Kaercher Loureiro, da Souto Correa Advogados.
A avaliação sobre a abertura de um processo de caducidade e a evolução até uma eventual anulação do contrato leva em conta questões específicas como o que prevê cada acordo, a tendência de desempenho de cada empresa (se está piorando ou melhorando), punições prévias, entre outros itens.
No caso da CEEE Equatorial, um quinto aditivo contratual datado de 2021, quando houve a desestatização, trouxe metas de desempenho mais flexíveis do que o previsto anteriormente — que se tornam mais rigorosas ao longo dos cinco anos seguintes. O limite para a duração média das interrupções no fornecimento de energia, por exemplo, que era de pouco menos de 10 horas para 2020 de acordo com o aditivo contratual anterior, passou para 25 horas em 2021, conforme a documentação disponível no site da Aneel.
Entre os indicadores de eficiência utilizados no contrato estão a Duração Equivalente de Interrupção de Origem Interna por Unidade Consumidora (DECi) — média de tempo que cada cliente fica sem energia no ano, excluídos fatores externos às distribuidoras (como um apagão generalizado) — e a frequência das quedas de luz (FECi) nos mesmos contextos. GZH questionou à Equatorial e à Aneel quais os índices de FECi e DECi atingidos pela empresa nos últimos três anos, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.
Má posição em ranking nacional
O mais recente ranking nacional de eficiência elaborado pela Aneel, divulgado há pouco mais de duas semanas, confirma uma situação desconfortável da CEEE Equatorial no cenário nacional.
A tabela utiliza como referência os indicadores de Duração Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (DEC, que leva em consideração fatores internos e externos, mas ainda exclui eventos climáticos extremos), e a Frequência Equivalente de Interrupção por Unidade Consumidora (FEC), que indica o número médio de quedas no abastecimento ao longo do ano por cliente. São semelhantes ao DECi e ao FECi, mas mais abrangentes.
Pela combinação desses critérios, a CEEE Equatorial ficou no 28º e penúltimo lugar entre as distribuidoras de grande porte do país em 2023, enquanto a Enel SP ocupou a 21ª posição (veja quadro) na avaliação global do ano passado.
Em 2021, segundo registros da Aneel, a empresa gaúcha apresentou média de 18 horas de interrupção de fornecimento (DEC), e 7,7 ocorrências por unidade (FEC). Mesmo que sejam indicadores mais abrangentes, os resultados obtidos ainda ficariam abaixo dos limites estabelecidos no quinto e mais recente aditivo contratual. As médias da empresa do RS na duração e na frequência das interrupções apresentaram uma leve melhora nos anos seguintes, enquanto a Enel ficou em um cenário de estagnação ou leve piora até 2023.
Isso não significa que os consumidores gaúchos estejam bem atendidos ou não exista qualquer margem para a abertura de um processo. Reportagem de GZH revelou que um relatório da Agergs sobre a tempestade de 16 de janeiro identificou inúmeras falhas na atuação da distribuidora de energia, como falta de planejamento, de equipes e de veículos para dar conta dos estragos provocados pelo mau tempo.
Desde julho de 2021, a Agergs aplicou penalidades que somavam R$ 69 milhões à empresa. Após recursos, atualmente estão em discussão duas multas que totalizam R$ 49,86 milhões. A agência tinha um contrato com a Aneel para fiscalizar a atuação da distribuidora no Estado, que venceu no final de março e está sendo rediscutido.
Independentemente do acordo com a entidade nacional ser retomado, processos envolvendo a cassação de concessões do setor precisam ser abertos necessariamente em nível federal. Depois de transcorrido o processo, que envolve análises muitas vezes complexas, a Aneel pode recomendar ou não a caducidade do contrato de distribuição de energia — ainda assim, cabe ao Ministério de Minas e Energia tomar a decisão de seguir ou não o parecer da agência. Se não houver base legal para a extinção da concessão, e mesmo assim isso for feito, a empresa pode exigir indenização da União.
— Se houver deficiência na prestação de serviço, se as metas não estiverem sendo alcançadas, pode, sim, haver a perda da concessão. O fluxo é o mesmo para qualquer concessionária, mas cada caso vai depender de como foi feita a negociação (do contrato), dos indicadores, cada empresa tem as suas peculiaridades — avalia o ex-presidente da CEEE Sérgio Dias, que ocupou o cargo entre 2011 e 2013, durante a gestão do então governador Tarso Genro (PT).
A Agergs informou pela assessoria de imprensa que não poderia dar declarações sobre o tema nesta quinta-feira (4) por problemas de agenda. A CEEE Equatorial não se manifestou sobre a avaliação de desempenho no cenário nacional.