Os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, no Amazonas, completam um ano nesta segunda-feira (5), com investigações ainda em curso para esclarecer pontos em aberto sobre o crime. A Polícia Federal (PF) indiciou mais dois suspeitos pelas mortes: Rubén Dario da Silva Villar, o "Colômbia", apontado como mandante do crime, e o pescador Jânio Freitas de Souza.
O ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Marcelo Xavier e o ex-coordenador-geral de Monitoramento Territorial da entidade Alcir Amaral Teixeira também foram indiciados, por omissão.
Até o momento, a ofensiva mais avançada é contra os três pescadores que confessaram ter participado dos assassinatos — Amarildo da Costa Oliveira, o "Pelado", que indicou o local onde os corpos foram enterrados; o irmão dele, Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como "Dos Santos"; e Jeferson da Silva Lima, o "Pelado da Dinha". Eles estão presos, já foram denunciados e devem ser levados a júri.
Dois meses após o crime, o Ministério Público Federal (MPF) também denunciou 10 pessoas por associação criminosa para a pesca ilegal na região do Vale do Javari. A ação penal aguarda julgamento na Justiça Federal.
Em paralelo, cinco procuradores tocam duas frentes de investigação, para esgotar todas as suspeitas. Os investigadores buscam confirmar se outras pessoas participaram do crime, como mandantes ou ajudando a esconder os corpos.
Manifestações
Seis cidades brasileiras fazem atos, nesta segunda-feira, em memória das vítimas. As manifestações ocorrem no Rio de Janeiro, Brasília, Campinas, Belém, Salvador e Atalaia do Norte (AM). Também está prevista manifestação em Londres, na Inglaterra.
No Rio de Janeiro, o ato foi na Praia de Copacabana e reuniu a viúva de Dom, Alessandra Sampaio, seus familiares e amigos do jornalista.
Alessandra destacou que confia na Justiça brasileira para julgar os assassinos e mandantes do crime, e que o julgamento seria um recado importante para as redes criminosas que atuam no Vale do Javari e em outras áreas da Amazônia. Ela defendeu ainda que é importante proteger as pessoas que vivem nesses territórios.
— Essa rede criminosa se aproveita da pobreza que existe na região, de uma falta de oportunidade de trabalho. Eles arregimentam pessoas para trabalhar no garimpo, para desmatar florestas. E quando a gente vai mudar isso? A gente vê isso desde sempre. Vai precisar morrer mais jornalista lá? Vão precisar morrer quantos indígenas? Quantos ativistas vão precisar ser mortos para se ter uma mudança real? — cobrou Alessandra durante o ato.
Vale do Javari
O líder indígena Beto Marubo, integrante da Organização Representativa dos Povos Indígenas da Terra do Vale do Javari (Univaja), também participou da manifestação no Rio de Janeiro. Ele afirmou que, apesar da mudança de governo na esfera federal neste ano, nada mudou em relação à realidade daquela região.
— O governo brasileiro deve uma explicação para o mundo, e quais providências vão fazer a partir de agora. O que o Brasil vai fazer de fato? Não temos uma resposta oficial das autoridades ainda — disse.
Segundo Marubo, durante a transição de governo foram apresentadas várias sugestões para melhorar a situação do Vale do Javari, mas até agora nenhuma dessas medidas foi adotada.
— O Estado brasileiro tem que ter responsabilidade e estar ciente de que uma ou duas instituições sozinhas não vão resolver o problema. Tem que ter uma atuação interagências, coordenada, com um planejamento técnico, em conjunto com Funai, Exército, Polícia Federal, Ibama e Força Nacional. Numa perspectiva de curto, médio e longo prazo — completou.
Ele declarou que as estruturas da Funai na região são muito precárias e a agência não tem hoje capacidade de enfrentar criminosos armados.
— É preciso haver uma reestruturação dos equipamentos e infraestrutura na região. Não tem como enfrentar a situação no Vale do Javari com seu organograma totalmente desatualizado. É necessário regulamentar o poder de polícia da Funai. Como um órgão que detém a responsabilidade de proteger terras indígenas vai enfrentar pessoas armadas, por exemplo? — indagou.
Marubo também criticou a aprovação do Projeto de Lei do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas (PL 490/07), pela Câmara dos Deputados.
— Esperamos que ela não venha a ser convalidada pelo Senado, porque isso seria um retrocesso tremendo. É algo que vai afetar diretamente os povos indígenas isolados. Ela permite a usurpação das terras indígenas — destacou.
Livro
Amigos e colegas jornalistas de Dom vão se reunir, a pedido de sua família, para concluir o livro do britânico. O projeto iniciou uma campanha de financiamento coletivo para levantar as 16 mil libras esterlinas (cerca de R$ 100 mil) necessárias para a conclusão do trabalho. Até a manhã desta segunda-feira, a campanha já tinha angariado cerca de 10,5 mil libras.
“Vamos imediatamente começar a enviar repórteres para sete locais remotos da bacia amazônica, que é 28 vezes maior que o Reino Unido. A maioria dos lugares onde precisar chegar só são acessíveis por barco, trilhas a pé que levam dias no meio da floresta ou pegando carona em um helicóptero. Os destruidores da Amazônia continuam extremamente poderosos e precisam ser responsabilizados por seus crimes”, informa o texto que anuncia a campanha.
Campanha
A Anistia Internacional tem acompanhado os desdobramentos do caso e lançou nesta segunda-feira uma campanha com "dez perguntas sem resposta" sobre os assassinatos. Os questionamentos envolvem as motivações e a procedência da arma usada no crime.
"Os assassinatos de Bruno e Dom não são exceções e refletem um padrão de violações consolidado no país — o quarto no ranking dos que mais matam ambientalistas e defensores de direitos humanos em todo o mundo. A realidade é consequência de falhas da política de proteção aos defensores e defensoras de direitos humanos e da criminalização das lutas e organizações populares, que constantemente sofrem ataques", afirmou a entidade.
Em nota, o MPF informou que começou a atuar tão logo foi informado do desaparecimento de Bruno e Dom e que os prazos processuais têm sido cumpridos em todas as etapas.
"Dada a complexidade do caso e as circunstâncias envolvidas, como as dificuldades de acesso ao local onde Bruno e Dom foram mortos, os procuradores da República que atuam nas apurações avaliam que o trabalho tem ocorrido de forma célere", diz o comunicado.