Foi publicado nesta terça-feira (9) o acórdão do julgamento que anulou, na semana passada, o júri do caso da boate Kiss. Na última quarta-feira, 3, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) decidiu, por dois votos a um, anular o júri que foi realizado em dezembro de 2021 e condenou os quatro réus.
A tragédia na boate em Santa Maria matou 242 pessoas e deixou mais de 600 feridas, em janeiro de 2013.
A partir desta quarta-feira, as partes terão dois dias para apresentar Embargos de Declaração, que é um recurso que não tem a força de mudar o resultado do julgamento, tendo a finalidade específica de esclarecer contradição ou omissão ocorrida em decisão proferida por juiz ou por órgão colegiado. Também passa a contar prazo de 15 dias para apresentação de recurso especial, perante o Superior Tribunal de Justiça (STJ), e recurso extraordinário, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), contra o acórdão. O Ministério Público (MP-RS) já adiantou que vai interpor recursos nas duas instâncias.
Após a anulação do julgamento, a 1ª Câmara Criminal mandou soltar os réus. O MP ingressou com uma petição junto ao presidente do STF, ministro Luiz Fux, que ainda aguarda apreciação. O MP alega que os magistrados desrespeitaram decisão de Fux ao libertá-los e pede o retorno imediato deles à prisão.
Se mantida a decisão da 1ª Câmara Criminal, os réus terão de ser submetidos a novo júri, que só poderá ser marcado após o julgamento dos recursos junto aos tribunais superiores. Se a anulação for revertida, volta a ter validade a sentença e a condenação dos réus.
No entanto, o mérito, que não foi enfrentado na última quarta-feira porque o julgamento terminou nas preliminares, terá de ser apreciado pelos três desembargadores. Ou seja, a 1ª Câmara Criminal terá de marcar uma nova sessão para enfrentar todas as demais teses, entre elas, a manutenção do júri conforme a prova dos autos e o tamanho das penas dos réus.
Os réus haviam sido condenados, no júri mais longo da Justiça gaúcha, que durou dez dias, às seguintes penas: Elissandro Callegaro Spohr, o Kiko, sócio da Kiss, a 22 anos e seis meses de prisão; Mauro Hoffmann, também sócio da boate, a 19 anos e seis meses; Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, a 18 anos; e Luciano Bilha Leão, produtor de palco da banda, também a 18 anos.
Confira as nulidades declaradas:
Sorteio dos jurados
Conforme os desembargadores, o sorteio não respeitou o que diz o Código de Processo Penal.
“No caso em atenção a fórmula expressa no Art. 433, § 1º, do Código de Processo Penal, que prevê o prazo de 10 (dez) a 15 (quinze) dias úteis antes da sessão para o Ministério Público e a defesa investigarem os 25 (vinte e cinco) cidadãos e cidadãs sorteados, foi substituída, de ofício, pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri por procedimento outro ao arrepio da lei”.
Os magistrados sustentaram que “o prazo exíguo e o elevadíssimo número de jurados (305) causou prejuízo concreto às defesas, impossibilitando-as de exercerem o pleno exercício legal das recusas, bem como arguições de impedimentos, suspeições e incompatibilidades, tendo a defesa do réu Elissandro se manifestado expressamente, por petições escritas e tempestivas, contrariamente à realização dos sorteios na forma como operados, fazendo-o em diversas oportunidades e muito antes da realização do sorteio principal, o que afasta a preclusão, ainda que não se tratasse de nulidade absoluta”.
Reunião reservada do juiz com jurados
Os desembargadores entenderam que o juiz que presidiu o júri não poderia ter se reunido de forma reservada com os jurados durante o julgamento.
“É corolário lógico e jurídico, portanto, que todos os atos processuais durante a sessão plenária, sejam eles decisórios ou mesmo de mera orientação aos jurados, têm de ser realizados obrigatoriamente senão sob olhos e ouvidos de todos, pelo menos do Ministério Público e da defesa, e que todos os atos têm necessariamente de ficar registrados permitindo sua impugnação pelas partes. No caso em julgamento o juiz presidente do Tribunal do Júri, às 04h02min, conforme vídeo que está hospedado no Youtube, inadvertidamente parou o curso do julgamento e convocou os jurados para uma reunião extraordinária em privado, realizando-a sem a presença do Ministério Público, das Defesas e longe do público. Ato discricionário, reservado, sem previsão legal, que nulifica o júri, até mesmo porque não tiveram as partes sequer a possibilidade de impugná-lo quanto ao seu conteúdo, pois dele desconhecem”.
Formulação de quesitos
Conforme o acórdão, um dos quesitos apresentados aos jurados não poderia ter sido formulado, já que não fazia mais parte do processo.
“Algumas das imputações que haviam sido feitas na denúncia aos réus foram expressamente excluídas da decisão de pronúncia quando do julgamento do Recurso em Sentido Estrito nº 70071739239. Nada obstante, foram utilizadas no 2º quesito, em relação a todos os réus, parcelas acusatórias que haviam sido excluídas pelo Tribunal de Justiça e não faziam mais parte da decisão de pronúncia, violando o princípio da correlação entre a denúncia e a pronúncia e a sentença. O 4º quesito foi redigido com a utilização da expressão ‘assim agindo’, estabelecendo conexão com o 2º quesito, razão pela qual o 4º quesito, por derivação, também é nulo”.