Mais conhecida por ser uma área de banhado, a Reserva Ambiental São Donato é um refúgio importante para aves migratórias e flora característica do Bioma Pampa. Perto da Argentina, a área localizada no limite entre Itaqui e Maçambará, na Fronteira Oeste, é mais uma região fortemente impactada pelos incêndios que também estão consumindo os campos da Campanha.
Com uma área de 4.392 hectares, pelo menos 1,2 mil hectares foram queimados em incêndio que durou quatro dias. Um fator que ajuda a explicar o cenário seria a drenagem de parte das reservas de água da região, que também é conhecida como Banhado São Donato, para lavouras.
No horizonte, o que se vê é mato queimado e alguns redemoinhos de fuligem que se assemelham a focos de incêndio. No solo, podem ser vistos queimados nas proximidades da rodovia ovos, caramujos e colmeias. A área é de difícil acesso, e estima-se que répteis e mamíferos não tenham sobrevivido.
O gestor da reserva, geógrafo e guarda-parque Maurício Freitas conta que houve dificuldade em debelar o incêndio. Bombeiros foram chamados já na quinta passada (13), mas as chamas voltavam em razão do forte vento. A prefeitura de Maçambará disponibilizou um avião no fim de semana, assim como o Exército auxiliou no combate no domingo (16).
— A tragédia maior é para as aves migratórias, como para o pássaro caboclinho, que migra para cá a fim de reproduzir. Portanto, animais como ele não poderão completar seu ciclo de vida — disse Freitas nesta quinta-feira (20).
Moradora da região há 20 anos, Rosiclei Dornelles de Matos mora com a família às margens da BR-472, na altura do km 455, e conta que via as altas colunas de fumaça. A fuligem chegava até sua casa e único comércio na região.
— Tenho criança e idoso com problemas respiratórios, então tivemos que recorrer à nebulização e a panos molhados para tentar umedecer o local. Nunca tinha acontecido algo tão grave por aqui — lamentou.
Uma reivindicação dos prefeitos da região é a ampliação dos efetivos diante do aumento dos focos de fogo. Somente nos primeiros dias deste ano, a elevação é de 178% em relação ao mesmo período do ano passado. O coordenador da Associação de Bombeiros do Estado do Rio Grande do Sul (Abergs), Ubirajara Ramos, ressalta que há 800 soldados aprovados em concurso aguardando serem chamados para compor a força. Além da falta de efetivo, a estrutura da corporação também precisa ser ampliada, reforça Ramos.
Em entrevista ao Gaúcha+ desta quinta-feira, o comandante-geral do Corpo de Bombeiros, Luiz Carlos Neves Soares Júnior, conta que os efetivos em folga também têm sido chamados para o combate aos focos de incêndio, conforme demanda dos comandantes locais:
— É um tipo de ocorrência difícil de ser debelada. Conforme a área, os carros do Corpo de Bombeiros não chegam. Tivemos incêndios com até dois quilômetros de extensão nos últimos dias, por exemplo. Estamos buscando evoluir nos equipamentos, assim como o governo anunciou a aquisição de uma aeronave e há intenção de fazer um convênio permanente na área da aviação.
Importância do Pampa
O Bioma Pampa ocorre somente no Rio Grande do Sul, o que torna sua preservação ainda mais necessária, já que as espécies nativas e migratórias são únicas no Brasil. Entre plantas e animais, são cerca de 4 mil espécies. Além disso, para manter suas características, o ecossistema depende do pastejo feito pelo gado.
Diante da pior estiagem dos últimos 17 anos, o professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Gerhard Overbeck ressalta que existem possibilidades de uma produção mais sustentável por meio da manutenção dos campos nativos:
— Os eventos extremos deste ano demonstram a importância de políticas de conservação mais eficientes. É possível avançar na manutenção da biodiversidade e desenvolver sistemas de uso da terra mais resilientes às mudanças climáticas que já estão acontecendo.
No caso da Reserva São Donato, que foi criada em 1975 para preservar o banhado de mesmo nome, há mais de 40 propriedades privadas. Em setembro do ano passado, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema) adquiriu 732 hectares nessa Unidade de Conservação e indenizou os fazendeiros que ocupavam a área. Conforme o diretor do Departamento de Biodiversidade da Sema, Diego Pereira, haverá um processo gradual de compra das terras pelo Estado e de recuperação do terreno.