Por volta das 17h45min desta sexta-feira (10), quando o juiz Orlando Faccini Neto declarou condenados os quatro réus da boate Kiss, pais e familiares das vítimas do incêndio foram imediatamente às lágrimas. De mãos dadas e trocando afagos, eles permaneceram juntos, acomodados ao fundo do plenário, durante a leitura da sentença que marcou o encerramento do mais longo tribunal do júri já realizado no Rio Grande do Sul.
O grupo de 52 familiares, acompanhado de 10 profissionais, entre psicólogos e enfermeiros, vestia camisas que traziam os rostos dos jovens que morreram na madrugada de 27 de janeiro de 2013, durante o incêndio na boate de Santa Maria.
Após 10 dias de julgamento "que parecia não ter fim", Mara Amaral Dalforno, 61 anos, relatou que volta para casa "com saudade, mas aliviada". Ela perdeu a filha, Melissa, 19, na tragédia.
— A gente espera que as leis fiquem cada vez mais firmes, para evitar que outros jovens e outras famílias passam pelo que passamos — disse.
Os pais do jovem Augusto Cezar, 19 anos, morto no incêndio, também acompanharam o final do julgamento no plenário do Foro Central de Porto Alegre. Maria Aparecida Neves e Cezar Augusto Madruga Neves adotaram o jovem quando ainda era recém-nascido.
— Eu não pude ter filhos, então decidi adotar. Foi amor à primeira vista. Nos apaixonamos assim que o conhecemos. Então, como é que eu não ia estar aqui lutando por Justiça? — indagou Maria Aparecida.
Enquanto os pais de Augusto Cezar se abraçavam, ainda durante a leitura da sentença, o magistrado lembrava a canção de Chico Buarque Pedaço de Mim, que citou para lembrar a dor das famílias: "Oh, metade arrancada de mim/Leva o vulto teu/Que a saudade é o revés de um parto/A saudade é arrumar o quarto/Do filho que já morreu".
Em outra cadeira do plenário, Kassia flores, 28 anos, aguardava o fim do julgamento de mãos dados com demais parentes. Ela conta que perdeu o primo Luiz Eduardo Viegas Flores. Na época, o jovem havia acabado de passar em um concurso e estava em Santa Maria para visitar os pais. Ele foi à festa, mas não voltou.
— Perdi alguém que era meu padrinho, meu primo, meu amigo. Passa um filme na cabeça, de tudo que lutamos desde o primeiro dia. A gente sabe que eles (os réus) não foram lá na intenção de matar ninguém, mas não fizeram nada para que não acontecesse essa tragédia. Quando a gente comete erros, precisa pagar por eles. Então acho que é justo — avaliou Kassia.
Ao final da leitura de sentença, os familiares fizeram um círculo, de mãos dadas, ainda no plenário, e oraram. Depois, gritaram, um por um, os nomes de familiares perdidos.
Uma das sobreviventes da tragédia e que também prestou depoimento no julgamento, Kelen Ferreira avaliou a condenação como positiva. Hoje com 26 anos, a terapeuta ocupacional teve uma das pernas amputada e parte do corpo queimado no incêndio.
— Nossa luta vai continuar, vamos seguir lutando para que esses locais se tornem mais seguros para as pessoas e para que essa tragédia não seja esquecida. Já se passaram nove anos, e é uma dor que levaremos para o resto da vida — disse Kelen.
No andar debaixo, o presidente da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM) , Flávio Silva, comentou o resultado do julgamento em uma entrevista improvisada aos jornalistas. Na avaliação de Silva, a condenação "é uma conquista da sociedade" e disse que espera que os familiares possam, após anos, descansar:
— Nos últimos anos, ficamos focados aguardando por esse momento. Agora, precisamos descansar um pouco, até porque a nossa luta não termina aqui. Sabemos que esse resultado não vai trazer nossos filhos de volta, mas esperamos que evite a perda de outros jovens.