
A fronteira Brasil-Uruguai está irreconhecível. No lugar das filas de brasileiros ávidos por consumir novidades nos badalados free-shops uruguaios, ruas semidesertas. O coronavírus aprofundou entre os comerciantes uruguaios uma crise que já tinha se gestado na elevação do dólar ao patamar de R$ 5, o que afastou os brasileiros das lojas. Agora o sumiço dos turistas aumentou por questões sanitárias e logísticas.
Não há onde se hospedar na fronteira. Os hotéis dos dois lados receberam ordens para não abrigar novos visitantes a partir das 14h de sexta-feira (20) — uma decisão mortífera, para cidades que vivem do turismo de compras. A equipe de GaúchaZH conseguiu uma vaga em Santana do Livramento porque chegou antes desse horário. Na vizinha cidade de Rivera, no Uruguai, o tradicional Hotel Uruguay-Brasil está com grades nas portas e um cartaz onde se lê: "Cerrado por quarentena".
Na Sarandi, principal avenida de Rivera, uma em cada três lojas está fechada — lembrando que a cidade vive desse tipo de atividade, é um verdadeiro centro comercial, o segundo mais importante em todo o Uruguai. Raras são as vendas nesses tempos de epidemia.
— A gente parou quase tudo por sete dias, para ver se freia o avanço do vírus. Mas o que não pode é virar paranoia. Afinal, não podemos evitar o vírus, mas morrer de fome — reclama o presidente da Associação Comercial e Industrial de Livramento (Acil), Roberto Fervenza.
Ele diz que existem no mínimo 500 lojas de porte maior nas cidades-gêmeas, afora pequenos comércios e tendas de camelôs. Tudo está parado.
No Uruguai ainda está permitida a abertura de restaurantes, mas eles estão quase sem clientes, em decorrência do baque no turismo. Já no lado brasileiro um decreto da prefeita de Santana do Livramento, Mari Elisabeth Machado, determinou o fechamento de restaurantes, bares, cafés, lanchonetes, sorveterias, oficinas mecânicas, plantões de bebidas, lojas de conveniência, feiras públicas de qualquer natureza, exposições, congressos, seminários, galerias de lojas, academias, espaços de lan house, cibers cafés e lojas em geral. A prefeitura também vetou quaisquer eventos festivos, em espaços públicos ou privados. A medida vale por sete dias, prorrogáveis.
As aulas estão suspensas, tanto em Rivera quanto em Santana do Livramento. Parte dos servidores bancários também está sendo dispensada e a recomendação é para que os clientes façam transações financeiras por aplicativos.
A crise já vinha se desenhando nos dois lados fronteiriços há duas semanas, desde que os primeiros casos de coronavírus começaram a pipocar no Brasil e no Uruguai. Agora chegou para valer. O restaurante Texacu's, situado no lado brasileiro, a um quarteirão da linha fronteiriça, costuma vender 150 refeições por dia. Vendeu 20 na sexta-feira (20) até as 14h, quando foi obrigado a fechar.
— Estamos dando férias coletivas para os 18 funcionários, sem prazo para volta — resume o proprietário do Texacu's, Diego Liska, que apoia a medida extrema da prefeitura, de fechar o comércio.
— Tem de comungar, não pode ir contra. É a favor de todos — opina.
Situado próximo dali, o Costa Café Bistrô também fechou as portas por determinação oficial. Os 18 funcionários entraram em férias forçadas.
— Uma tristeza, mas a gente entende o administrador público — comenta o proprietário Moisés Costa.
Uma das maiores preocupações é a Semana Santa, o grande feriado do ano para os uruguaios, que costumam passar a Páscoa no Brasil. Neste ano, a entrada de turistas motorizados — de ônibus ou carro — está proibida. Só caminhões podem cruzar.
Os raros turistas, que desde sexta-feira driblam os vetos para um passeio a pé pelas calçadas fronteiriças têm de procurar o lado uruguaio para ir a um restaurante. Na Sarandi, o dono de uma parrillada (assado típico uruguaio) está dividido quanto à quarentena para o comércio. É um dos poucos com permissão para abrir, mas os clientes estão escassos. Pensa em cerrar portas não por ordem oficial, mas por falta de frequentadores.
Com relação aos funcionários, um consolo: ao contrário do lado brasileiro, onde quem paga o salário dos dispensados é o patrão, no Uruguai existe previsão de o governo ajudar a custear a fatura causada pelo vírus.
— Aqui a empresa paga 50% do salário e o governo paga outros 25%. Isso vale por 30 dias, renováveis por mais 30, para funcionários dispensados temporariamente por algum desastre natural — informa o proprietário do restaurante, que prefere conceder entrevista sem dar o nome ou fotos.
O presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou, anunciou reforço da verba governamental para esse tipo de seguro.
De máscaras e luvas pelas ruas

Ao contrário da maioria das capitais brasileiras, a fronteira aderiu em peso a máscaras e luvas. Basta ficar alguns segundos parado numa sinaleira para topar com motoristas e motoqueiros usando os itens de proteção.
Policiais uruguaios também aderiram a máscaras e luvas finas. Frentistas de postos de gasolina, idem, inclusive no lado brasileiro da fronteira. Em algumas farmácias, as portas foram fechadas e os funcionários atendem através de janelas, também usando equipamento de proteção para nariz e mãos. Vários estabelecimentos no Brasil estão com filas na frente, formadas por pessoas em busca de álcool gel.
Pelas calçadas, casais passam mascarados, sem despertar olhares de espanto. A proteção virou rotina.
— Essa gripe não é bromeo (brincadeira) - resume Adriana Santana, que é doble chapa (cidadã uruguaia e brasileira, fenômeno comum na fronteira).
Dona de casa, ela e o namorado, Ádrian Gomes, passeavam na tarde de sexta-feira por uma Avenida Sarandi quase deserta. Os dois de máscara cirúrgica.
Ádrian diz que trabalha como cortador de mato numa área de reflorestamento em Rivera e foi dispensado, assim como dezenas de colegas, por causa do coronavírus. Como é trabalhador temporário, safrista, ficou sem garantias salariais.
— Se a epidemia demorar, vou ter dificuldade até para me sustentar — reclama.