Você já deve ter se perguntado: por que as obras na China são realizadas em tão pouco tempo? Por que os chineses conseguem construir pontes, viadutos, túneis, linhas de trem e rodovias com recursos financeiros mais baixos do que os praticados no Brasil?
A corrupção brasileira pode interferir, manipular contratos, majorar valores de obras, mas não é a única explicação para o tempo maior na liberação de obras. O advogado gaúcho e CEO da China Invest, Thomaz Machado, atua no país asiático desde 1999. Ele ressalta que o diferencia é o planejamento dos chineses. Cita, por exemplo, que na China eles não entendem como uma obra aprovada pode parar no meio.
— Se preparam. Se vira prioridade, acontece. Eles têm consciência dos benefícios se conseguirem executar em um tempo menor, tudo diminui. Há um comprometimento de quem executa a obra e os desvios são coibidos rigorosamente — diz Machado.
Para construir um prédio, por exemplo. O projeto da obra já deve ter prazo, valor a ser investido e o tempo a ser concluído. No Brasil, também. A diferença é que aqui os atrasos são a regra.
Se o governo vender um terreno e o projeto nessa área não for construído no prazo estimado, o prédio é retomado. Quando existe uma área para ser desapropriada, o proprietário só pode discutir o preço. Além disso, Machado lembra que o que encarece uma obra é o tempo de execução. Quanto mais se demora mais se paga.
Em dezembro de 2016, o governo chinês inaugurou a ponte mais alta do mundo. Os trabalhos ocorreram durante três anos. A travessia tem 1.341 metros de extensão e conecta as Províncias de Guizhou e Yunnan. Ela fica a 565 metros do solo, o equivalente a um edifício de 200 andares.
A título de comparação, as obras da segunda ponte do Guaíba, em Porto Alegre, começaram em 2014. Deveriam ter sido concluídas em 2017. Porém, até agora, 50% dos trabalhos foram finalizados.
Os chineses percorrem os recordes. Ainda em 2016 outros dois recordes. O primeiro: foi inaugurada a ponte de vidro mais alta e mais comprida do mundo, com 430 metros de comprimento e a 300 metros de altura sobre um desfiladeiro na província de Hunan, no sul do País. O segundo: quebrou recorde de velocidade, ao utilizar 116 escavadoras, para demolir, em apenas uma noite, um gigantesco viaduto em Nanchang, no leste do país.
Em 2011, o governo inaugurou a ponte da baía de Jiaodhou, no leste da China. Construída em quatro anos sobre o mar, a travessia tem 42 quilômetros de extensão e custou o equivalente a R$ 2,4 bilhões.
O ritmo acelerado das obras é importante. Mas não é o único fator que explica a agilidade dos chineses. A capacidade de aprovação de projetos é tão ou mais eficaz que a rapidez no momento da construção.
O diretor do Tecnopuc e pró-Reitor de Pesquisa, Inovação e Desenvolvimento da PUC-RS, Jorge Audy, viveu três meses em Pequim, frequentando o Tuspark, importante parque tecnológico da capital chinesa. A instituição surgiu em 1994 e hoje há 60 mil pessoas trabalhando em centenas de empresas instaladas no local. Lá, o tempo para liberação de licenças para entrega de espaços públicos varia de dois a quatro meses, um prazo 10 vezes menor que no Brasil.
- Aqui, depois que estou com dinheiro em caixa, captado para construir, meu tempo médio para conseguir uma licença para começar a construir é de 3 a 4 anos. É a burocracia – diz Audy.
Rápidos, porém com orçamento estourado
Porém, nem de boas notícias vive o país. A China gastou mais de US$ 10,8 trilhões em infraestrutura somente na última década, de acordo com cálculos feitos pela Bloomberg, a partir dos dados oficiais sobre investimento em categorias como transporte, armazenamento, fornecimento de energia e conservação da água. A pesquisa da Saïd Business School, da Universidade de Oxford, concluiu que 75% dos projetos de transporte na China estouraram o orçamento, mesmo com todo o controle e planejamento desenvolvidos no país asiático.
Além disso, o modelo político/econômico do país desobriga o governo de cumprir etapas, que, no Brasil, são obrigatórias, como destaca o economista, diplomata e cientista social Marcos Troyjo.
— Na China não existe agência reguladora, não existe liberdade de expressão, não existe pesos e contra-pesos. Se querem construir viaduto e precisam fazer deslocamento de população que vivem na área, eles o farão. A ideia de sociedade civil praticamente não existe na China. Funciona para o mal mas também para o bem. E uma parte do bem é essa velocidade com que os chineses conseguem expandir sua infraestrutura — diz Troyjo, que também dirige o BRICLab da Universidade Columbia, um centro de estudos sobre Brasil, Rússia, Índia e China.
Se o objetivo for aprimorar a rapidez, sem se importar com o restante, as agências reguladoras podem ser consideradas inimigas. No Brasil, elas foram criadas para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada. Além de controlar a qualidade na prestação do serviço, estabelecem regras para o setor.
O economista conta uma história vivenciada por ele durante evento que recebeu investidores chineses no Rio de Janeiro. De um hotel com vista para a praia de Ipanema e do Leblon, a paisagem contrastava com o Morro dos Irmãos que é para onde se estende a favela do Vidigal.
— Um deles apontou para aquela região da favela e me disse: “Puxa. Por que vocês não tiram essas habitações e constroem um condopmínio de alto luxo, um hotel 5 estrelas, que geraria uma grande atividade econômica para a região?” Na cabeça dele isso é possível porque não tem de lidar com opinião pública, agência reguladora, associação de moradores, imprensa. (Para os chineses) É essencialmente uma decisão econômica – avalia Troyjo.
O grande número de investimentos em infraestrutura também agravou o crescente endividamento da China, já que os estouros do orçamento equivalem a cerca de um terço da montanha de dívida do país, de US$ 28,2 trilhões, de acordo com a pesquisa da Universidade de Oxford. Sem contar os problemas relacionados à poluição que o país enfrenta, principalmente em Pequim.