– No domingo, a água chegou na beira do asfalto. Na segunda-feira, encobriu a estrada e só de trator para chegar em casa. Hoje, somente de barco.
Quem conta é o advogado Merari Ancinelo, 74 anos. Ele e mais 700 pessoas que vivem em São Marcos, distrito distante cerca de 40 quilômetros do Centro de Uruguaiana, estão ilhados. A única estrada que liga a localidade à BR-472 (rodovia Itaqui-Uruguaiana) tem mais de 1,5 quilômetro debaixo d'água.
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Para Ancinelo, também servidor da prefeitura, a cheia do Rio Uruguai – que está quase seis metros acima do nível normal, tendo atingido 11,62 metros às 15h –, não é um problema.
– Homem do rio é homem do rio, a água é sempre bênção – afirma, contando que, antigamente, os moradores se deslocavam de barco a remo.
Nesta terça-feira, os próprios pescadores disponibilizaram seus barcos – movidos por motor – para fazer o transporte daqueles que precisam ir trabalhar ou estudar no centro do município. Sem cobrar nada. No entanto, como o rio segue subindo e o vento é forte, a prefeitura quer uma travessia mais segura.
Para isso, pediu ajuda para a Companhia de Engenharia do Exército, que recusou o pedido, alegando que não seria seguro. Depois, a Marinha foi contatada e deu sinal positivo. Uma embarcação deve ser enviada ainda nesta terça-feira e, possivelmente, começará a operar na quarta-feira.
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Alheio às negociações das autoridades, o aposentado Clésio dos Santos Tedy, 60 anos, comia bergamota, sentado ao pé de uma árvore, acompanhado de uma dose de cachaça, nesta tarde. Às suas costas, a própria casa de madeira estava imersa em água. Desde domingo, ele se mudou para a residência da mãe, ao lado, onde rio já começa a roçar o chão.
– Quem se assusta morre cedo – disse o antigo jogador de futebol.
Tedy mora a cerca de 450 metros de um balneário. No entanto, piscina, camping, pousada e outras estruturas sumiram em meio ao Rio Uruguai. Da casa dele, só se enxergava o topo de uma caixa d'água.
Grande parte dos vizinhos, alguns que mantêm casa de campo, já deixou o local. O caseiro Eduardo Lopes Teixeira, a quem só se vê de longe, ilhado na casa do patrão, e uma idosa, são alguns dos poucos que ainda optaram por ficar naquela região.
Na tarde desta terça-feira, a Defesa Civil informou que, apena sem Uruguaiana, 68 famílias estão desabrigadas, 387, desalojadas e 8.327 estão afetadas pela chuva.
A perspectiva é de que o Rio Uruguai siga subindo pelo menos até quarta-feira, quando deve estagnar. No entanto, a Defesa Civil ainda está apreensiva devido aos altos volumes de chuva na cabeceira do rio, em Santa Catarina e norte do Rio Grande do Sul.