Na terceira semana de ocupação das escolas em Caxias do Sul, nesta segunda, um pai tomou uma atitude extrema. Desempregado e pai de duas meninas, Gilberto Freitas Couto, 30 anos, se desesperou ao saber que a Escola Estadual Professor Apolinário Alves dos Santos, instituição que a primogênita de seis anos estuda, estava fechada e que os alunos estavam impedindo a entrada dos professores.
Sem ter onde deixar a menina, já que a mulher trabalha fora de casa durante o dia, ele pegou uma barra de ferro - com a intenção de quebrar o cadeado do portão - e foi até o colégio que fica no bairro Sagrada Família, o primeiro ocupado na Serra, no dia 18 de maio. Nervoso, agrediu um dos alunos fisicamente e foi filmado por uma das professoras que estavam no local. O caso vai ser analisado pela polícia.
Arrependido, Couto afirmou que a falta de dinheiro e as despesas geradas com o transporte da filha para a escola, cerca de R$ 140 mensais, o deixaram no limite e o fizeram agir daquela forma.
– Juntos, eu e minha mulher ganhamos cerca de R$ 2,8 mil por mês, sendo que R$ 1,1 mil é do meu seguro-desemprego, que acabará em três meses. Tenho dívidas ainda de maio para pagar. Fiquei muito nervoso, foi um dia de fúria.
Pioneiro: O que aconteceu nesta segunda de manhã?
Gilberto Freitas Couto: Liguei para a escola umas 10 vezes, pouco antes das 9h. Só na terceira chamada me atenderam. Perguntei "moça, posso levar minha filha para a escola?". Só ouvi o telefone batendo, desligaram na minha cara. Liguei de novo. Aí ouvia gente rindo e uma música ao fundo. Fiquei louco. Hoje era para eu ter ido resolver o financiamento do meu carro, ter espalhado mais currículos, tinha que deixar a minha filha na escola. Enlouqueci. Liguei para a mulher da van que leva minha filha e ela me disse que os alunos tinham colocado um cadeado no portão e nem os professores estavam entrando na escola. Pensei: "vou lá quebrar esse cadeado". Peguei uma barra de ferro que tenho em casa para mexer a lenha no fogão e fui.
Leia mais:
Alunos denunciam que escola ocupada em Caxias tinha alimentos vencidos
Desanimados, somente 6% dos professores de Caxias aderem à greve
Contra políticos, jovens que ocupam escolas são protagonistas em greve
Ela estava trancada quando o senhor chegou?
Não, na hora vi 10 alunos entrando, rindo, impedindo os professores de entrar. Aí um guri falou: "ninguém entra aqui". E na hora eles estavam colocando o cadeado no portão. Aí eu puxei a corrente, segurei na mão e disse que era para eles deixarem os professores entrar. O guri veio para cima de mim perguntando quem eu era e eu disse que era um pai que ele estava lesando. Disse que eles deviam deixar quem quisesse estudar entrar e que eu tinha uma menina em casa e que precisava deixar ela na escola para procurar emprego. Nisso uma professora começou a gravar a discussão.
Vocês começaram a brigar?
O aluno era mais alto do que eu, mas eu não ia dar uma de coitadinho. Eu estava com o ferro em uma mão e a corrente na outra. Ele fez a menção de vir para cima de mim, aí eu dei três corretadas nele. Ele saiu correndo em direção aos outros alunos gritando que iria pegar um revólver. Aí vieram cinco ou seis na minha direção. Vi e falei: "quem é o primeiro macho que vem?".
O menino se machucou muito?
Não bati com força. Diria se tivesse batido, mas não bati. (Ao Pioneiro, Paulo Bitencourt, 17 anos, aluno do terceiro ano do ensino médio, afirmou que ficou com marcas na região da cintura e com um ferimento no braço esquerdo).
Por que o senhor bateu?
Ele estava errado de não deixar os professores entrar. Falei que eles não queriam estudar, que eram vagabundos. Quem sou eu para fazer o que fiz, mas quem são eles para fechar a escola e não deixar ninguém entrar? Eles não são os donos do mundo.
E a professora?
A professora ficou com medo que eu agredisse ela, mas nunca faria isso. Vi que ela estava gravando e na primeira oportunidade tentei tirar o telefone dela. Não ia roubar, minha intenção era apagar o vídeo. Não sou ladrão, meu carro estava na porta da escola, minha cara estava ali para quem quisesse ver. Estava com uma adrenalina tão alta na hora que eu olhava para o celular e não conseguia apagar. Larguei o celular e a corrente do outro lado da rua e fui embora.
O senhor se arrepende?
Errei, me arrependo. Foi um dia de fúria, fiz sem pensar, no impulso. Não sou louco. Me assustei com a repercussão. Cheguei em casa ainda tremendo pensando no que iria acontecer. Olhei as redes sociais e vi que muitos estavam me chamando de monstro. Pensei em pegar as minhas coisas e voltar para Porto Alegre com a minha família. Logo depois do almoço me acalmei e fui na delegacia dar a minha versão para a polícia. Agora é esperar para ver o que vai acontecer.
Agora, depois do ocorrido, por que senhor acha que agiu daquela forma?
Apoiei o protesto dos alunos no início, mas já estamos na terceira semana. Pago R$ 140 de van para levar minha filha para a escola, poderia estar usando esse dinheiro para comprar comida. Estou desempregado, me virando como posso. Larguei mais de 100 currículos nos últimos dois meses. Fiquei no limite. Hoje meu sogro deixou o cartão de crédito para eu ir no supermercado comprar comida para colocar dentro de casa.
O senhor saiu de casa com a barra de ferro com a intenção de quebrar o cadeado?
Sim! Claro que não pensei em sair de casa para bater em alguém.
Alguém ficou do teu lado lá?
Não. Dois professores estavam lá. Parece que os alunos tiraram a coragem dos professores, de ir lá tirar o cadeado e se impor. Acho que muitos pais gostariam de ter essa coragem que tive. As crianças precisam estudar. Tem muita família que está sofrendo com isso, que precisa da escola para deixar os filhos.
O senhor de alguma outra situação que tu tenhas ficado com tanta raiva?
Já fui mais brigão e me acalmei quando casei, há nove anos. Eu já lutei jiu-jitsu, mas não apliquei nada disso lá na escola. Dei três "correntadinhas" no guri. Meu passado me condena, mas hoje estou mais calmo.
O senhor pensa em pedir desculpas para o menino agredido?
Uma coisa aprendi na vida: a perdoar e a pedir perdão. Hoje ainda está muito cedo para falar qualquer coisa. A família dele deve estar magoada comigo. Para a professora, já peço desculpas pelas palavras. Me abalou quando vi que a professora disse que foi agredida por mim. Não agredi ela. Na hora, posso ter falado algo ruim para ela, na emoção, mas não a agredi.
Não há previsão para os alunos desocuparem a escola. E nesta terça, o que vocês vão fazer com a filha mais velha?
Vou ter que ver o horário que minha esposa vai trabalhar para vermos o que fazer com a nossa filha. Vou evitar ir na escola para não constranger a minha filha por enquanto.