Eles surgem aos poucos, dobrando as esquinas num passo vigoroso de quem pretende derrubar o governo. Logo são milhares, instalados na principal avenida do país. Embora alguns movimentos organizados de oposição ao PT tenham protagonismo nas manifestações, é uma massa humana disforme e heterogênea que acua o Planalto.
Nas 40 horas em que a Avenida Paulista permaneceu ocupada pelo povo, não havia uma hierarquia estabelecida. Por vezes, candidatos a liderar os manifestantes eram prontamente repelidos. Quando a tropa de choque da Polícia Militar quis liberar um corredor de ônibus na avenida, o ator Bruno Balestrero, 27 anos, conversou com um oficial e voltou para convencer os manifestantes a ceder espaço. Ninguém lhe deu ouvidos. Com Marcello Reis, o polêmico coordenador do Revoltados on Line, a reação foi mais intensa. Ele chegou a ser agredido e teve de sair escoltado pela PM após pedir a um grupo de ativistas que não pernoitassem na Paulista.
– Nós não temos líderes, não temos partido. É uma ação espontânea de pessoas que querem derrubar esse governo – diz a bancária Cristiani Galvão, 44 anos, que varou a madrugada em uma das 20 barracas montadas na avenida.
Leia mais
PM usa jatos d'água para dispersar manifestantes da Avenida Paulista
AO VIVO: acompanhe os desdobramentos da crise política nesta sexta-feira
Demora em liberação de trânsito causa transtornos na Goethe
Durante a noite, moradores das redondezas levaram pão, salsichas e barras de cereal aos manifestantes. Pouca gente dormiu. A ideia era permanecer durante toda a sexta-feira no local, sem ceder a via para o ato de apoio ao governo previsto para a tarde. O plano foi desfeito por volta das 9h, quando a tropa de choque da PM avançou sobre os ativistas com jatos d’água e bombas de gás lacrimogênio.
Com a roupa ainda molhada, o professor de Educação Física Guilherme Maciel, 31 anos, explicou as motivações que o levaram a sair de casa e deixar o trabalho em segundo plano para protestar.
– Estou perdendo dinheiro, mas a única coisa que nos resta é a resistência popular. Todas as outras formas se esgotaram. A elite se protege. O Lula fez tudo o que fez e virou ministro, foi como um cuspe na nossa cara.
A mesma motivação contagiava a estudante Ianca Kelly, 19, anos. Com os olhos vermelhos e lacrimejantes por causa das bombas de gás, ela convocava os manifestantes a retornar pra rua à noite, tão logo acabasse o ato organizado pelo PT. Do lado dela, o promotor de eventos Flávio Roberto da Nóbrega, 35 anos, casado e com dois filhos, há 12 horas não telefonava para casa.
O estudante de Administração Leonardo Silva, 23, chegara às 9h30min de quinta-feira na avenida. Foi em casa de madrugada para comer, tomou um banho e logo voltou. Pela manhã, estava exausto, mas disposto a resistir.
– Ficar protestando pela internet não incomoda ninguém. Por isso sou contra fazer manifestação aos domingos. Vira passeio. Tem que ser em dia de semana, tem que incomodar, parar a Paulista, parar São Paulo. Só assim vão perceber que a nossa paciência se esgotou, que ninguém aguenta mais tanta roubalheira.