A conduta do nutrólogo Omar César Ferreira de Castro, 66 anos, foi colocada em xeque na semana passada, quando a Polícia Civil cumpriu mandado de prisão temporária, busca e apreensão de equipamentos no consultório onde ele atendia cerca de 70 pessoas por dia, no centro de Florianópolis. Depois que o médico foi encaminhado ao Complexo Penitenciário da Agronômica, devido à suspeita de ter cometido crime sexual contra mais de 30 mulheres, ex-pacientes relataram ao Diário Catarinense outro problema, que o Conselho Regional de Medicina de Santa Catarina (CRM-SC) relaciona à ética médica: prescrição sem critérios de medicamentos controlados para emagrecer.
Sem revelar números, a Secretaria de Saúde de Florianópolis garante que Castro é o maior prescritor do inibidor de apetite sibutramina na Capital. O uso da substância é regulado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), somente nas dosagens de 10 e 15 miligramas por dia, para pacientes obesos com índice de massa corpórea (IMC) superior a 30 kg/m², em um prazo máximo de dois anos e associado a dieta e atividade física.
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O CRM-SC afirma que nenhum dos três processos ético-profissionais instaurados contra Castro está relacionado às receitas de remédios de tarja preta, como a sibutramina. O relato de ex-pacientes também não motivou o registro de boletins de ocorrência na Polícia Civil. Mas a página do DC no Facebook recebeu 36 comentários e sete mensagens privadas acerca do estímulo ao consumo das drogas sem que os pacientes tivessem histórico investigado e exames avaliados.
Quando consultou pela primeira vez com o doutor Omar, Ana*, que mede 1m59cm, conta que pesava 69 quilos. Mesmo com IMC de 27,29 kg/m², a jovem de 23 anos que mora em Florianópolis obteve uma receita de cloridrato de sibutramina (15 mg), fluoxetina (22 mg) e bupropiona (160 mg), além de um composto de crisina (150 mg), rutina (50 mg), vitamina E (200 ui), hidroclorotiazida (20 mg) quercetina, cafeína (100 mg) e goji berry. Ela reconhece ter procurado o nutrólogo pela fama de receitar facilmente medicamentos controlados.
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– Fui para que ele me receitasse a sibutramina. Ele não pediu exame, nem perguntou se alguém na minha família tinha hipertensão ou problemas psicológicos. Só imprimiu as receitas e uma espécie de dieta, que depois eu soube ser igual para todos – conta a paciente.
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Ana* e o médico assinaram, juntos, um documento formulado pela Anvisa, o “termo de responsabilidade do prescritor para uso do medicamento contendo a substância sibutramina”. No termo, fica claro que a droga é contra-indicada em sete casos, entre eles, IMC menor que 30 kg/m² (veja outras contraindicações ao lado).
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– Com a obrigatoriedade da receita azul B2 (exigida para comercialização da sibutramina), todos os pacientes assinam o termo e precisam estar dentro dos critérios de indicação em bula – explica o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, Alexandre Hohl.
Ana* tomou metade da dose recomendada pelo médico por quatro dias. No quinto, parou e jogou boa parte pelo ralo.
Maria*, outra ex-paciente de Castro, já havia tomado a substância aos 17 anos, acompanhada de um nutricionista. Mas foi com a dose e as combinações prescritas por Castro que sentiu os efeitos: tontura, calor, palpitação, confusão, dificuldade em completar um raciocínio.
– Fiquei com muito medo de tudo. A gente quer o mais prático para emagrecer, não é? Sempre fui consciente dos riscos, mas tem muita gente que não é e pode morrer – conta.
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A Resolução da Diretoria Colegiada de número 58, publicada pela Anvisa em 2007, proíbe a associação de anorexígenos (sibutramina) a diuréticos (hidroclorotiazida) e a outros medicamentos. O farmacêutico Rodrigo Michels Rocha, especialista em farmácia bioquímica e magistral e membro do Conselho Regional de Farmácia de Santa Catarina (CRF-SC), alerta sobre os riscos dos medicamentos acumulados pelas pacientes.
– A associação de sibutramina e fluoxetina deve ser evitada ao máximo, pois pode desencadear a síndrome serotoninérgica, que é um excesso de serotonina no organismo. O quadro clínico inclui delírios, ansiedade, diarreia, vômitos, tremores e rigidez muscular, por exemplo, podendo levar o indivíduo ao óbito – avalia.
A defesa de Castro não quis se manifestar sobre os relatos. A administração da clínica também não atendeu a reportagem.
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A comerciante Maria*, 27 anos, que vive em Palhoça, consultou-se com o nutrólogo em meados de janeiro. Também foi atraída pela promessa de emagrecimento rápido a partir de medicação. Com as receitas de sibutramina (15 mg) e bupropiona (160 mg) em mãos, procurou a farmácia de manipulação.
– Não fui até a que ele indicou. Preferi uma que conheço há anos. Quando fui buscar, o farmacêutico me disse que eu deveria tomar só uma dose por dia, em vez de duas, conforme prescrito – diz ela.
É esse trabalho de zelo pela ética no exercício profissional que o CRF-SC diz que vem garantindo por meio de fiscalização. Conforme a presidente Hortênsia Müller Tierling, fiscais do órgão visitam pelo menos uma vez por mês cada farmácia do Estado:
– As fiscalizações são diurnas, noturnas e também aos finais de semana para verificar se o estabelecimento farmacêutico cumpre com a determinação federal de ter um farmacêutico durante todo o horário de funcionamento.
A representante acrescenta que cabe ao farmacêutico avaliar o critério legal e técnico dos receituários e informar ao paciente a possibilidade de dispensação ou manipulação.
– Caso seja uma concentração acima da que é aceita e seguida pelos estabelecimentos farmacêuticos, essa receita não é dispensada. Se for um medicamento manipulado, o profissional não deve manipular. E deve encaminhar o paciente de volta ao profissional prescritor para que ele verifique o que aconteceu. Em alguns casos, o farmacêutico faz contato com o prescritor e informa sobre o risco ao paciente – explica Hortênsia.
Mas, conforme um farmacêutico ouvido pelo DC, que relata receber alto número de receituários do nutrólogo, o consultório de Castro não era aberto ao contato feito pelos estabelecimentos.
– Precisei, algumas vezes, falar com ele para checar a dosagem, quando julguei que tinha acontecido um erro. Nunca consegui. As atendentes diziam que ele não falaria e orientavam os pacientes a retornar ao consultório. As receitas são praticamente as mesmas para todos os pacientes – diz.
Caso o estabelecimento não apresente regularidade técnica, o CRF-SC ainda pode oferecer denúncia ao Ministério Público ou acionar a Vigilância Sanitária do município.
– Além das inspeções no local, a Vigilância Sanitária fiscaliza e controla, através de sistemas de informação, se as receitas de sibutramina estão sendo prescritas e aviadas dentro dos padrões legais, ou seja, em quantidades e concentrações máximas permitidas – garante o gerente de Vigilância Sanitária de Florianópolis, Artur Amorim Filho.
Emagrecimento
Ex-pacientes de nutrólogo preso em Florianópolis relatam prescrição de medicamentos sem critério
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Gabriele Duarte
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