Em 2000, a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal realizou seis Caravanas Nacionais para inspeção nas chamadas "Instituições Totais" (Goffman). A primeira delas visitou manicômios em vários estados brasileiros. Como parte deste trabalho, estive no município de Paracambi (RJ), para uma inspeção à "Casa de Saúde Dr. Eiras", que tinha aproximadamente 1.500 internos, a maioria deles formada por pacientes crônicos. Nem todos eram doentes mentais. Encontramos também sindrômicos, surdos e pessoas que estavam ali por evidente situação de abandono social. Na clínica Dr. Eiras, o maior manicômio privado brasileiro, os pacientes passavam a maior parte do tempo perambulando pelos pátios sem qualquer tipo de atividade. Presenciamos uma cena de banho coletivo em espaço aberto com cerca de 80 internos. Alguns ocupavam os chuveiros, outros aguardavam nus a sua vez, enquanto os molhados esperavam por uma toalha. A abordagem era coletiva, como se estivéssemos diante de uma manada, não de pessoas.
Alguns pacientes nos relataram terem sofrido eletrochoques. Ao final da visita, em reunião com os diretores, perguntei se a Clínica fazia uso da eletroconvulsoterapia (ECT). Sim, nos disseram. O impressionante é que os procedimentos recomendados excluíam a necessidade de anestésicos que, segundo os diretores, seriam "contraproducentes". Esta posição está registrada no documento "Normas Para o Uso da Eletroconvulsoterapia (ECT) na Casa de Saúde Dr. Eiras-Paracambi" que recebemos e publicamos como anexo no relatório da Caravana.
O ECT é prática médica com indicação excepcional para casos graves de depressão cujos pacientes não respondem à medicamentação ou que não podem recebê-la. O ECT exige anestesia geral. Desconsiderar este procedimento é, simplesmente, prática de tortura. Atendendo a nossa sugestão, o então ministro da Saúde, José Serra, decretou intervenção na Clínica.
O Ministério da Saúde, recentemente entregue ao PMDB, indicou para a Coordenação Nacional de Saúde Mental o psiquiatra Valencius Wurch, ex-diretor da Clínica Dr. Eiras. Assim, graças às práticas fisiológicas que estruturam nosso modelo político e que sustentam os governos medíocres, chegamos à equação onde um inimigo declarado da reforma psiquiátrica é nomeado para a posição mais importante para a reforma.
Não satisfeito em interditar o futuro e em mergulhar o País em um jogo onde o cinismo se transformou no único programa coerente, a experiência de governo do PT começa a subtrair dos brasileiros as parcas conquistas obtidas ao longo das últimas décadas. Estamos diante de uma vergonha histórica. Mais uma.