A Lava-Jato, maior investigação já feita pela Polícia Federal, redobrou fôlego na última semana, após meses em que minguou a olhos vistos. A operação vinha lavando menos não por vontade dos investigadores que nela atuam, mas por decisões recentes dos tribunais superiores, que determinaram a cisão de alguns processos e a soltura de suspeitos.
A retomada de fôlego da Lava-Jato ocorreu na terça e quarta-feira, com as prisões do senador petista Delcídio Amaral (MS), do banqueiro André Esteves e do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foram demonstrações de força do juiz paranaense Sergio Moro, da 13ª Vara da Justiça Federal no Paraná, que concentra as investigações de corrupção na Petrobras. O parlamentar e o banqueiro foram presos por tramar a fuga de um diretor da estatal, Nestor Cerveró, condenado pela Lava-Jato. Já o empresário Bumlai foi preso por irregularidades relacionadas a suborno por contratos da Petrobras.
Apesar do novo ímpeto, tudo indica que a Lava-Jato, que tinha amplas pretensões punitivas, terá de se restringir à Petrobras. Contra a vontade de policiais e procuradores da República envolvidos na operação, que chegaram a investigar contratos nos ministérios da Saúde e do Planejamento, na Caixa Econômica Federal, na usina nuclear Angra 3 e no BNDES, para ficar em alguns exemplos. Desde o início de 2014, a operação, em suas várias fases, já prendeu 116 pessoas, firmou 35 acordos de colaboração premiada (delação), denunciou 173 por crimes "de colarinho branco" e condenou 49 réus (três deles acabaram absolvidos em segunda instância). Em muitos casos, por crimes fora da Petrobras.
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A amplitude da Lava-Jato começou a ser podada em 22 de setembro, quando o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, por oito votos a dois, que investigações relacionadas à ex-ministra e senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) - envolvendo fraudes em contratos de serviços prestados no Ministério do Planejamento por uma empresa de São Paulo - fossem retiradas do juiz Moro e repassadas à Justiça Federal de São Paulo, onde os crimes teriam ocorrido. O caso foi colocado sob segredo de Justiça, enquanto Moro costuma tornar públicas todas as suas decisões. Policiais federais e procuradores viram na decisão um retrocesso.
A Lava-Jato sofreu outro revés em 30 de outubro, quando o ministro do STF Teori Zavascki determinou que o inquérito sobre o esquema de propinas em contratos da usina nuclear de Angra 3 fosse separado do processo da Petrobras. Com isso, retirou das mãos de Moro as investigações sobre o caso. O STF remeteu os autos sobre possível corrupção na usina à Justiça Federal no Rio de Janeiro, onde se localiza a sede da Eletronuclear (controladora da obra).
Supremo começou a rever prisões
Foi a última de uma série de decisões que reduziu a abrangência da Lava-Jato. Além de tirar territorialidade do juiz titular do caso, as recentes posições do Supremo restringiram a área de atuação da força-tarefa. O novo relator do caso de Gleisi no STF, ministro Dias Toffoli, decidiu - e ganhou apoio dos colegas - que a Lava-Jato só deve julgar casos relativos à Petrobras.
A consequência é que, além de perder o caso envolvendo propina no Ministério do Planejamento, a Lava-Jato também está impedida de investigar corrupção na construção da usina nuclear do RJ. O STF também começou a rever algumas prisões. Em 15 de outubro, o mesmo Teori Zavascki, do STF, contrariou os procuradores da República e autorizou a libertação de Alexandrino Salles de Alencar, ex-diretor de Relações Institucionais da Odebrecht. Ele estava preso desde junho por ordem de Moro, acusado de ser um dos criadores do cartel que garantia obras para um clube de empreiteiras, em troca de propina a políticos e executivos da Petrobras.
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Além da cisão dos casos de Angra 3 e do Ministério do Planejamento, é provável que o STF determine a retirada de outros processos das mãos de Moro. Um deles é referente ao esquema de propina envolvendo o ex-deputado federal André Vargas (já condenado) no Ministério da Saúde e na Caixa Econômica Federal. Com isso, a Lava-Jato deixará, definitivamente, de ser Lava-Tudo. Voltará ao eixo inicial, a Petrobras.
Ministros do STF e procuradores divergem
A Procuradoria-Geral da República (PGR) impetrou recurso para tentar reverter a cisão do processo da Eletrobras em relação aos demais vinculados à Lava-Jato. Os procuradores alegam que provas, pessoas, empresas e partidos agiram da mesma forma criminosa, tanto nas obras da Usina Nuclear de Angra 3 como nos esquemas de cartel na Petrobras.
A ação da PGR é em resposta a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que concluiu não existir relação entre alguns fatos - como a gestão de empréstimos consignados no Ministério do Planejamento e a corrupção em obras de Angra 3 - e a apuração de fraudes e desvios de recursos na Petrobras. O fato de doleiros e lobistas serem os mesmos, nos três casos, foi encarado como secundário pelo STF. Eles acreditam que os casos não têm proximidade geográfica nem um mesmo objeto da corrupção - de forma que não justifica que sejam julgados pelo mesmo magistrado, Sergio Moro.
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Já para policiais federais e procuradores, a organização criminosa descoberta pela Lava-Jato age da mesma forma, não importando qual área estatal ela mire. A corrupção seria gestada por quatro núcleos: empresarial (cartel de empreiteiras), político (agentes políticos e partidos), agentes públicos (dirigentes das estatais e do governo) e operadores financeiros (doleiros, lobistas e movimentadores de propina). E eles replicam o modus operandi em qualquer setor onde o investimento governamental seja grande: obras nucleares, extração de petróleo, empréstimos consignados, financiamentos da Caixa Federal. Os procuradores dizem que, seja onde for, é cobrada propina para liberação do dinheiro do governo e concretização da obra.
- No caso da Eletrobras, as empreiteiras são as mesmas e os lobistas, os mesmos que atuaram na Petrobras. O STF cometeu um equívoco absurdo. A conexão é evidente - pondera um procurador que atua na força-tarefa da Lava-Jato.
Decisões atendem a apelos de advogados
Alguns advogados celebram o que consideram perda de fôlego da operação. Um deles, Helton Pinto, usou a cisão do episódio da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) para conseguir a transferência da investigação sobre o ex-presidente da Eletronuclear Othon Pinheiro. O caso passou do juiz Moro para um magistrado no Rio.
- O caso da Eletronuclear não tem qualquer vínculo probatório com o da Petrobras - justificou Pinto.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também solicitou a redistribuição de um dos inquéritos abertos no STF (sobre o senador Ciro Nogueira, do PP-PI), com base na delação premiada do empreiteiro Ricardo Pessoa, da UTC. Segundo ele, a investigação sobre o senador não tem relação com a Petrobras:
- Esse caso, ainda que fosse verdadeiro, não tem nada a ver com Petrobras - alegou.
Mas o advogado gaúcho Lúcio de Constantino, defensor de um empresário acusado na Lava-Jato, não está entre os colegas que saúdam a aparente perda de poder do juiz Sergio Moro. Ele considera natural que o magistrado tenha estabelecido conexão entre os casos Petrobras e Eletronuclear.
- Existe um problema no Brasil, a imunidade parlamentar. Figurões da política não podem ser julgados por juízes comuns. Não vou entrar no mérito de cada caso, as provas ainda são colhidas, mas o capítulo das conexões entre personagens não está bem definido pelo STF. Parecem usar critérios subjetivos: em alguns casos estabelecem conexão, em outros, não. Falta coerência - afirmou Constantino.