O difícil recomeço de quem teve a vida soterrada em Mariana
Cão espera pelo dono em telhado de casa destruída
Ao longo dos 500 quilômetros do Rio Doce afetados pela lama entre Minas Gerais e Espírito Santo, poucas pessoas são capazes de dar um testemunho mais pessoal sobre o manancial devastado pela tragédia ambiental do que o agricultor Geraldo Ferreira da Cruz, 60 anos.
Cruz vivia em uma ilha localizada no meio do Rio Doce, no município homônimo, a cerca de cem quilômetros de onde rompeu a barragem do Fundão. Dormia, ao final da madrugada de 5 de novembro, quando acordou sob o estrondo da lama e dos troncos de madeira indo correnteza abaixo. Como o socorro demorou a chegar, conta que resolveu fazer uma última refeição.
- Se eu fosse para junto de Jesus, eu iria de barriga cheia. Fiz pão com ovo e me preparei para ir para junto DEle conformado e satisfeito - conta.
Em Minas, população faz velório a céu aberto para o Rio Doce
O que se sabe sobre o desastre ambiental que encheu de lama o Rio Doce
No final do dia, foi resgatado por um helicóptero. Porém, cerca de um hectare e meio de pasto na ilha foi tomado pelo barro, e não pode mais tirar água do rio para dar de beber a suas três cabeças de gado ou para irrigar a plantação de abacaxis. Precisou improvisar um pequeno reservatório na margem do rio, de onde puxa o líquido por uma mangueira pendurada sobre a água marrom-alaranjada e imprestável do Rio Doce. A quantidade é suficiente apenas para matar a sede do gado, dos 10 cães de mais alguns bichos que cria.
Os estragos e o receio de que uma nova barragem estoure rio acima o expulsaram de sua casa. Agora, ocupa um quartinho improvisado na residência de um irmão. Todo os dias, caminha uma hora para ir à ilha, cuidar do que restou da propriedade e voltar. No meio do caminho, reza para que a água da chuva seja suficiente para hidratar suas plantações.
- Só posso contar com a água que Deus mandar agora - lamenta o solitário ilhéu expulso pelo lodo.
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Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce e Governador Valadares. Em outra frente, no Espírito Santo, a reportagem já passou por Colatina e segue em direção ao litoral capixaba. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: