Em uma votação tensa e delicada na quarta-feira à noite, Paulo Paim (PT-RS) foi na contramão da bancada do PT do Senado. Optou pelo voto aberto e por manter a prisão do antigo líder do governo Delcídio do Amaral (PT-MS). O gaúcho garante que não sacrificou o colega, apenas seguiu sua coerência. Não quis obstruir o trabalho da Justiça.
- Foi um voto muito difícil. Doeu muito, tanto que ficou um clima de velório depois da votação - reconhece.
Dos petistas do Senado, apenas Paim e Walter Pinheiro (BA) votaram pela continuidade da prisão de Delcídio por suspeita de obstruir as investigações da Operação Lava-Jato. Gravações revelaram o líder como pivô de uma trama para soltar o ex-diretor da Petrobras, Nestor Cerveró, e viabilizar sua fuga. Em troca, Cerveró não fecharia acordo de delação premiada ou, se o celebrasse, pouparia o parlamentar. Paim admite que o conteúdo das gravações impossibilitou qualquer defesa para relaxar a prisão do colega, que considera um "gentleman". Apesar de ter seguido a rotina de votos contrários às indicações do PT e do governo, o gaúcho garante que o episódio com Delcídio não vai interferir em sua decisão sobre sair ou permanecer no partido. Confira os principais trechos da entrevista concedida a Zero Hora.
Por que o senhor divergiu do voto do PT e optou por manter a prisão de Delcídio do Amaral?
Ninguém julgou o Delcídio. Pela minha coerência e mediante o dossiê que recebemos do STF, com fatos que todos os senadores consideraram graves, eu não quis criar obstáculo à Justiça. O Supremo deve fazer o julgamento do processo e tem de ser dado ao Delcídio o legítimo direito de defesa. Inocente é inocente, culpado é culpado, doa a quem doer.
Foi um voto difícil?
Foi um voto difícil, entrei em um dilema. A orientação nacional, como expressou a nota do partido, era para que não houvesse solidariedade ao Delcídio, no sentido de continuar o processo. Na bancada, ficou a posição de parar o processo. Walter Pinheiro e eu seguimos nossa coerência.
O senhor não seguiu o PT na primeira votação. O partido queria voto secreto e o senhor foi de aberto. Por quê?
Desde a Constituinte tento acabar com voto secreto no Congresso. Apresentei proposta na Constituinte e depois duas PECs. Se eu trabalho 30 anos para acabar com o voto secreto, por que na primeira oportunidade que envolve alguém da minha sigla eu vou mudar de posição? Seria uma incoerência enorme.
Delcídio tinha chance de ter a prisão relaxada no voto secreto?
Acho que teria. Tem muita gente que diz uma coisa em público e, no particular, muda de opinião. O meu voto seria o mesmo se fosse secreto.
Surpreendeu o conteúdo das gravações, na qual o senador cita ministros e planeja a fuga de Cerveró? Surpreendeu o país. Ficamos perplexos, constrangidos e, por isso, a votação foi 59 a 13. Por mais que a gente tenha carinho pelo senador Delcídio, naquele momento, vem a frase: os homens e as mulheres passam, a instituição fica.
Discutiu-se no Senado que não havia flagrante de crime inafiançável na prisão de Delcídio. Foi decisivo na votação o conteúdo das gravações ou pesou a parte técnica da discussão?
Pesou o conteúdo das gravações, com certeza absoluta. Envolvia ministros do STF, isso criou uma situação delicada e de desconforto. As gravações contribuíram muito para decisão do Senado.
O PT foi dúbio? Bateu na nota do partido, que nega solidariedade ao senador, e a liderança trabalhou pelo voto secreto e para relaxar prisão?
A posição nacional pela nota, que não veio em momento adequado, demonstra que o partido não tem relação com o que ocorreu. A bancada em si ficou em dúvida e preferiu manter o relaxamento da prisão. Eu só posso medir a minha coerência.
Renan Calheiros (PMDB-AL) classificou a nota como "oportunista". O senhor concorda?
Diria que ela foi infeliz pelo momento em que foi usada, no meio de uma votação tão delicada.
Delcídio vai ser abandonado pelo partido, será expulso?
Não falo pelo PT. Todo mundo sabe da minha posição, sou independente. Está sendo dito que, provavelmente, ele vai tirar uma licença para se defender das acusações.
Delcídio fará falta nas votações decisivas para o governo no final do ano?
Não tenho dúvida que ele fará falta, pois é um senador articulado, com trânsito em muitos setores.