O difícil recomeço de quem teve a vida soterrada em Mariana
Em vila de Mariana, homem se negou a abandonar os animais Ministra afirma que recuperação da Bacia do Rio Doce levará pelo menos 10 anos
Samarco admite risco de rompimento de outras duas barragens
Uma ponte no município de Rio Doce (MG) que servia apenas como ponto de passagem se transformou também em ponto de parada.
Moradores da região e viajantes se detêm sobre ela e perdem longos minutos em silêncio. Alguns tiram fotos, outros apenas balançam a cabeça. O motivo para toda essa atenção jaz alguns metros abaixo: um gigantesco corpo de água que não aparenta mais ter vida.
O que se sabe sobre o desastre ambiental que encheu de lama o Rio Doce
Cão espera pelo dono em telhado de casa destruída em Mariana
Passadas quase duas semanas desde que a onda de lama despejada pela barragem do Fundão começou a correr pelo rio que dá nome à cidade, o cenário no local ainda é desolador. Um mar de restos de madeira de árvores arrancadas do chão e trituradas pela enxurrada suja cobre o que, até o mês passado, era um plácido lago artificial formado desde a construção da barragem próxima de Candonga. Máquinas trabalham para tentar retirar do local parte da madeira misturada a lixo arrastado pelo barro, como tonéis de metal, garrafas plásticas, pneus e toda sorte de materiais não recicláveis.
O antigo lago de águas claras virou um riacho assoreado, marrom e revolto. Por isso, a população se junta no local para lamentar o destino do Rio Doce, antigamente usado para pesca e lazer, como se estivesse em um velório a céu aberto. O curso de água foi o mais atingido pelos rejeitos de minério da Samarco, e é por ele que a onda barrenta se propaga rumo ao litoral do Espírito Santo.
- Dois dias antes da tragédia, eu estava pescando no Rio Doce. Agora, virou isso aqui. Se tiver como recuperar, não sei quanto tempo vai levar. Não tem mais vida - lamenta, debruçado sobre o parapeito da ponte, o morador da região José Maurício Wenceslau, 57 anos.
O pedreiro Alessandro do Couto, 29 anos, foi com a família se despedir do rio onde costumava pescar dourados e piabas. Estacionou o carro nas proximidades da ponte e caminhou até o meio dela para testemunhar os efeitos do desastre.
- É chocante. Acabou a natureza aqui - surpreendeu-se, ao lado da mulher, Patrícia Miquelino, 27 anos, e da filha Maria Luiza, quatro.
Os três viajaram desde o município próximo de Alvinópolis para prestar suas condolências.
- À noite, dava para ver os peixes saltando fora da água. Era um espetáculo -- recordou Couto, olhando para baixo com pesar.
O ecólogo e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Ricardo Pinto Coelho sustenta que se pode dizer que o rio morreu "metaforicamente", já que praticamente todas as espécies de animais como peixes e anfíbios existentes ali pereceram, e o manancial dificilmente voltará a ser exatamente como no passado. Mas, em lugar das espécies dizimadas, devem aumentar populações de bactérias e insetos.
Ele acredita ser possível recuperar parte da vida aquática ali, mas em um prazo difícil de determinar.
- Alguns impactos como o assoreamento serão permanentes - lamenta.
Veja galeria de imagens sobre o Rio Doce:
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Rota da Lama
Zero Hora percorre o rastro de devastação provocado pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco ao longo do curso do Rio Doce. A primeira parada foi na localidade de Bento Rodrigues, no município de Mariana, que registrou mortes, desaparecimentos e foi praticamente extinta. A segunda parada foi em Paracatu de Baixo, também em Mariana (MG), onde a lama destruiu as casas e se acumula em blocos de um a dois metros de altura. Em seguida, nossos repórteres visitaram Rio Doce e Governador Valadares. Em outra frente, no Espírito Santo, a reportagem já passou por Colatina e segue em direção ao litoral capixaba. Veja abaixo todas as matérias que já foram publicadas: