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Discursos rumorosos na Assembleia Geral das Nações Unidas não são novidade, muitas vezes em razão do conteúdo pitoresco. Na História, vão desde o ditador ugandês Idi Amin se recusando a falar inglês até o venezuelano Hugo Chávez se queixando do cheiro de enxofre em alusão ao colega americano George W. Bush. Na semana passada, o desfile de líderes se notabilizou pelo conteúdo e pelas aproximações antes inimagináveis. Houve os discursos coincidentes do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e do presidente cubano, Raúl Castro, pedindo em coro o fim do embargo a Cuba - e tudo com a bênção do papa Francisco, que também defendeu o meio ambiente, criticou a ganância financeira desmedida, condenou o terrorismo e pediu solidariedade aos refugiados que protagonizam a onda migratória na Europa.
A densidade dos discursos já se mostrou na abertura do evento. Como reza a tradição desde 1947 - quando o chanceler brasileiro Osvaldo Aranha conduziu a sessão inaugural do organismo agora setentão -, a presidente brasileira, Dilma Rousseff, fez o primeiro discurso. Reiterou a solidariedade do Brasil aos refugiados e pediu que se estendam as mãos a essas pessoas, enfatizando que "a ONU está diante de um grande desafio".
E por aí seguiu o encontro, com o desfile de líderes e discursos contundentes. Houve casos como o da Rússia, que, nas palavras do chanceler Serguei Lavrov, está disposta a estabelecer "canais de comunicação permanentes" com a coalizão liderada pelos EUA para coordenar operações militares contra o grupo Estado Islâmico (EI). No mesmo dia, os russos bombardearam alvos da oposição síria - não necessariamente terroristas do EI. No mínimo, há um raro acordo tácito.
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- O que está acontecendo com a ONU é que os fatos a estão obrigando a assumir posições mais condizentes com eles. A ONU não mudou muito, mas, ao menos no seu fórum da Assembleia Geral, escutam-se palavras de mudança. Então, o que mudou não foi a ONU, mas os discursos de alguns dos Estados que dela fazem parte - diz o cientista político venezuelano Rafael Duarte Villa, professor da Universidade de São Paulo (USP).
Villa sustenta que "a ONU tem sido sensível ao discurso de mudança".
- Não há muita novidade no "desfile" de autoridades. O novo está em que essas autoridades têm adequado seu discurso às novas condições que derivam do pós-11 de Setembro. Ou seja, os anos W. Bush.
Preponderaram a demonstração explícita de afinidade entre os presidentes americano e cubano e não tão explícita entre EUA e Rússia e um franco tom humanista. Mas houve também espaço para temas regionais de alto teor histórico. O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, afirmou que seu país está próximo de uma solução final com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Os palestinos hastearam sua bandeira na sede da ONU, gesto que o presidente Mahmud Abbas chamou de "luz de esperança".
"Tribuna" para as populações
A professora de Relações Internacionais Deisy Ventura vê o papa Francisco como a grande novidade.
- Quem me parece crescer mesmo como um mediador de conflitos importantes é nosso mercosulino "Pancho I", o papa Francisco, uma das únicas vozes humanistas no cenário internacional atual - disse ela.
Deisy cita o segundo secretário-geral da história da ONU, o sueco Dag Hammarskjöld (de 1953 até sua morte, em 1961), para quem "a ONU não foi criada para levar a humanidade ao paraíso, mas para salvá-la do inferno". Seria um "protocolo de intenções".
- Sem a ONU, o mundo seria pior. Mas sua atuação é limitada pelos países que a constituem, sobretudo os mais poderosos. Que sua assembleia se transforme, por vezes, numa tribuna em favor dos interesses das populações, infelizmente bem diversos dos interesses dos Estados mais poderosos, é algo positivo - afirmou Deisy.
Pérolas históricas nas assembleias
Fidel, o "breve"
O então presidente cubano Fidel Castro prometeu ser breve naquele 26 de setembro de 1960. Fazia um ano e meio que ocorrera a Revolução Cubana. A plateia suspirou aliviada. Seus discursos duravam mais de cinco ou seis horas. Falou "só" quatro horas e 29 minutos.
Arafat, o dúbio
Em 1972, Yasser Arafat justificou ações armadas. Fazia dois anos que terroristas palestinos haviam assassinado atletas israelenses na Olimpíada de Munique. Disse que vinha "com um ramo de oliveira em uma mão e a arma de um combatente pela liberdade na outra". E recomendou: "Não deixem que o ramo de oliveira caia de minha mão".
Idi Amin, o "antianglófono"
Em 1975, ele recém dera um golpe militar em Uganda. Mataria 300 mil pessoas. Idi Amin, que falava inglês, recusou-se a usar esse idioma e passou a palavra a um assessor. Alegou "imperialismo" e "colonialismo".
Chávez, o "exorcista"
Hugo Chávez falou na ONU, em 2006, um dia após o colega americano George W. Bush. E se saiu com esta: "Ontem, o diabo esteve aqui, neste mesmo lugar, ainda tem cheiro de enxofre nesta mesa, onde tenho de falar". Ele vilipendiou o "imperialismo ianque".
Ahmadinejad, o "bem informado"
O iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que nega o Holocausto e sustenta o obscurantismo, desfiou sua tese sobre o 11 de Setembro: "Setores do governo dos EUA orquestraram os ataques para reverter sua decadência econômica e salvar o regime sionista (de Israel)". Era 2010. Delegações deixaram a sala.