
O delator na Operação Lava-Jato responsável pelas maiores revelações sobre suborno a políticos, Ricardo Pessoa, depôs hoje à Justiça Federal e voltou a detalhar repasses sistemáticos a partidos. O alvo das declarações do ex-presidente da empreiteira UTC foi João Vaccari Neto, na época das doações tesoureito nacional do PT.
- A cada negócio feito ele cobrava um repasse para o Partido dos Trabalhadores. Aí a propina era transformada em doação oficial, na conta do partido - descreveu Pessoa, em depoimento prestado esta tarde na 13ª Vara Federal de Curitiba.
O juiz Sérgio Moro questionou se a doação legal não seria apenas isso - donativo legalizado - e Pessoa insistiu que não. O empreiteiro afirma que as empresas eram coagidas a doar aos partidos, se quisessem participar das licitações e mais ainda, para vencê-las.
Pessoa mostrou irritação quando foi inquirido sobre o "clube de empreiteiras" que dominava as obras na Petrobras.
- Não é clube, coisa nenhuma. Era um pacto de não-agressão entre as empresas, para que não surgissem disputas desnecessárias. Cada uma sabia o que tinha de fazer e os compromissos, como doação de verbas aos partidos. Quando participava de licitações na Diretoria de Serviços da Petrobras, a contribuição era para o diretor dessa área ou partido que dominadava ali. Na Diretoria de Abastecimento, para essa área. E assim por diante.
Por ter sido interrogado na Justiça Federal de primeira instância, Pessoa não deu nome de parlamentares que foram beneficiados por ele. Em depoimento prestado em Brasília, no primeiro semestre, ele detalhou pagamentos que teria feito a 18 políticos. Hoje ele não esmiuçou esses casos.
Pessoa também foi inquirido, por diversos advogados, se conhecia os clientes deles - todos réus na Lava-Jato. Ele confirmou, por exemplo, conhecer o lobista Mário Góes e ter comparecido na casa dele para repassar propina ao diretor da Petrobras Pedro Barusco. Já o filho de Góes, Lucélio, foi inocentado por pessoa.
- O ex-presidente da UTC afirma que conhece Lucélio, mas nunca repassou dinheiro a ele ou recebeu cobrança de propina por parte dele - comentou Lúcio de Constantino, defensor de Lucélio.
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Zero Hora confirmou com investigadores da Lava-Jato que o depoimento de Pessoa é o primeiro, dentre os delatores, a mencionar propina nas campanhas presidenciais. As outras 15 delações premiadas mencionaram políticos, como deputados estaduais e federais, senadores e governadores.
- É a primeira vez que se fala em locais de pagamento de suborno em campanha à Presidência - resume um dos envolvidos nas investigações.
Em 2014, as contribuições da UTC a políticos somaram R$ 54 milhões, incluindo doações declaradas pelos partidos à Justiça Eleitoral e pagamentos que teriam sido irregulares. Agora os investigadores têm a árdua tarefa de comparar o que foi falado pelo delator com as declarações de outros informantes e confirmar contas, datas, valores e indícios adicionais, como filmagens.
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Todos os mencionados negam irregularidades e desafiam Pessoa a provar as ilegalidades relatadas à Justiça. A maioria dos políticos admite ter recebido ajuda da UTC, mas dentro da lei, sob a forma de doações partidárias oficiais. Pessoa diz que essas doações "oficiais" seriam, na realidade, extorsões praticadas pelos políticos contra as empreiteiras, que formaram pools para pagamento do suborno, sacando dinheiro depositado no Exterior.
As revelações do empreiteiro da UTC podem resultar, nas próximas semanas, em mais inquéritos abertos a pedido da Procuradoria-Geral da República. Seria a nova "lista do Janot", referência ao procurador-geral Rodrigo Janot, que já investiga 50 políticos com foro privilegiado.
Como funcionaria o esquema
O dinheiro desviado de contratos da Petrobras era enviado, principalmente, a contas no Exterior
CAIXA 1 - Doações oficiais a partidos ou campanhas políticas, incluindo o PT e o PSDB
1) Filmagens: na delação premiada, o diretor da UTC, Ricardo Pessoa, forneceu aos procuradores datas e locais onde foram gravadas em vídeo visitas de emissários de partidos.
2) Contas: no caso da UTC, o dinheiro desviado da Petrobras era depositado numa conta na Suíça. Um exemplo: Ricardo Pessoa diz que sua empresa formou um consórcio com Camargo Corrêa, Iesa e Queiróz Galvão, em 2006, para enviar dinheiro para a campanha presidencial do PT naquele ano. De lá ele era trazido ao Brasil por meio de doleiros e enviado aos tesoureiros de campanha partidários. Os procuradores vão verificar se existem extratos dos valores mencionados e requisitar sua devolução.
3) Agendas: os delatores, entre eles Pessoa, forneceram agendas nas quais estão marcadas reuniões realizadas entre 2006 e 2014 com emissários de partidos políticos. Elas serão periciadas.
4) Depoimentos: serão cotejados os depoimentos de diversos delatores. Além de Ricardo Pessoa, um que comprometeu o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto em propinas é Eduardo Hermelino Leite, ex-vice-presidente da construtora Camargo Corrêa. Em um trecho, Leite menciona encontro de 2010:
"João Vaccari disse que tinha conhecimento por meio de área de serviços da Petrobras de que a Camargo Correa estava atrasada com os seus compromissos, isto é, pagamentos de vantagens indevidas frente a contrato da construtora com a Petrobras. João Vaccari questionou o depoente se não haveria interesse em liquidar esses pagamentos mediante doações eleitorais oficiais. O valor certamente era superior a R$ 10 milhões."
5) Doações coincidentes com taxa de propina: Pessoa e outros delatores dizem que os valores doados "oficialmente" aos partidos coincidem com os percentuais de propina cobrados (1% pelo PP e 2% pelo PT, por exemplo). Os procuradores vão verificar se o valor doado em determinado momento corresponde com exatidão a um percentual de propina mencionado pelo delator, sinal de que ele pode ter falado a verdade.
CAIXA 2 - Distribuição clandestina, em sacolas ou contas de empresas-fantasma
1) Filmagens: Ricardo Pessoa e outros delatores afirmam ter gravado em vídeo reuniões para pagamento de propina a emissários partidários. Visitas de João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, à sede da UTC teriam sido filmadas entre 2007 e 2010. Pessoa disse que, nos encontros em seu gabinete, Vaccari rabiscava em um papel os valores que pedia, para evitar ser gravado. Depois rasgava os papéis e jogava os restos em lixeiras diferentes e o deixava as reuniões com uma mochila cheia de dinheiro. O delator afirma que uma das coletas de dinheiro não oficializada teria ocorrido pós-contrato para construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). A UTC teria repassado R$ 15 milhões em propinas ao PT.
2) Depoimentos: além de Pessoa, outros que afirmam que Vaccari coletava dinheiro de caixa 2 (não contabilizado em doação oficial ao partido) são Augusto Ribeiro (da Toyo-Setal), Eduardo Hermelino Leite (da Camargo Corrêa) e Pedro Barusco (ex-gerente de serviços da Petrobras). Barusco apelidou Vaccari de "Moch" - e anotou isso numa agenda - pelo hábito de guardar dinheiro em mochilas. Ribeiro disse que fez doações a uma gráfica indicada por Vaccari e que, na realidade, eram para o caixa 2 do PT.
3) Agendas e pacotes de dinheiro: Pessoa, da UTC, afirma ter levado pessoalmente os pacotes de dinheiro para o comitê da campanha do ex-presidente Lula, em 2006. Os repasses totalizaram R$ 2,4 milhões e teriam sido combinados com José de Filippi Júnior, tesoureiro da campanha e hoje secretário de Saúde da Prefeitura de São Paulo. Pessoa afirma inclusive que tinha senha e contrassenha para não chamar atenção no comitê petista. Ao chegar ao local com o dinheiro, falava a quem o recebesse a palavra "tulipa". Caso ouvisse como resposta a palavra "caneco", seguia para a sala de Filippi. O ex-tesoureiro nega tudo e promete processar Pessoa. Os investigadores querem checar quantias sacadas por Pessoa na época, sua agenda e comparar com os valores mencionados.
4) Consultorias: Ricardo Pessoa afirma ter disfarçado entrega de propina ao PT via pagamento de consultorias ao ex-ministro José Dirceu. Ele informou valores, que serão cotejados com as consultorias informadas por Dirceu no Imposto de Renda - aos quais Zero Hora teve acesso. Em 2012, por exemplo, a UTC pagou R$ 1,3 milhão para a empresa de Dirceu, a JD Assessoria e Consultoria. Em 2013, R$ 939 mil. Nesses dois anos, o ex-ministro estava cumprindo pena por condenação no caso do mensalão. Dirceu será intimado a explicar que serviços fez à UTC.
Lava-Jato chega a sua 14ª fase; relembre as etapas anteriores da operação:
Os fatos que marcaram a operação: